O meu muito sentido agradecimento às centenas de colegas, ex-alunos e outros amigos que, presencialmente, por mensagens ou e-mails, quiseram acompanhar-me nesta, para mim, muito importante e feliz homenagem com que a Universidade de Évora muito me honrou.
Desejo começar por dizer que, no caso dos alvos desta distinção serem elementos da comunidade científica, me ocorre salientar duas situações:
Ou o título se reporta a uma ou mais contribuições da pessoa visada, tidas por suficientemente relevantes, conseguidas durante a sua vida activa, tenha ela a idade que tiver, e aí temos os grandes nomes da física, da química ou da medicina,
ou distingue alguém que, no decurso de uma longa vida de dedicado e intenso trabalho, sério e honrado, é tido por merecedor dessa honraria, como foi, que eu me lembre, o caso do historiador Túlio Espanca, que recebeu este título nesta Universidade, em 1990. É uma situação que, com o devido respeito, comparo aqueles prémios de final de carreira.
E é aqui que, sem falsa modéstia, me situo.
Por natureza não gosto de realçar o papel do velho, que os olhos, as pernas e muito mais, dizem que sou. Prefiro lembrar que transposto comigo a criança, o adolescente, o adulto jovem e o maduro, tudo isto caldeado na ponderação, na tolerância, na paciência e noutras capacidades que só a velhice nos dá.
Por natureza, costumo romper as malhas do protocolo. Faço-o com a descontração, a alegria e a afectividade que me caracterizam.
Entrei, pela primeira vez, nesta magnífica Sala dos Actos, em 1942, para fazer o exame de admissão aos Liceus. Tremiam-me a pernas de medo ao enfrentar uma tal responsabilidade. Era uma criança de 11 anos, cheia de futuro. Estou hoje qui, nesta mesma sala, 77 anos volvidos, com a maior parte desse futuro já consumida e transformada em passado e as pernas a tremerem-me de comoção.
Tudo era diferente no Liceu. As aulas eram mistas e até, havia namoricos. E não havia reguadas.
Passámos a lidar com “senhores doutores” e “senhoras donas”. É curioso registar que os professores homens eram tratados por doutores e as professoras por donas, ainda que, igualmente, licenciadas, o que revela bem a secundariedade então declaradamente dada à mulher, mesmo numa profissão como esta.
Não obstante momentos pontuais de algum sofrimento próprios e benéficos nesta preparação para a vida, seguiram-se anos felizes. Esquecendo os maus professores que, como hoje, também os houve, tive professores exigentes e respeitados nas aulas e conhecidos e estimados como pessoas importantes na cidade.
De tudo o que aqui aconteceu recordo que, sempre coxo, e sem saber porquê, detestando a Matemática, fui passando de ano para ano e. assim, cheguei ao 7º que, nesse tempo, correspondia ao actual 11º. Reprovei no exame e como não havia a chamada época de Outubro, fiquei mais um ano, como repetente, no dizer acusatório do meu pai. Aprendi então e aí que, com um bom professor de Matemática, Dr. João Ramos Seruca, não há aluno que não goste desta superior linguagem do pensamento. Tomei então consciência que um mau aluno em Matemática ou noutra qualquer disciplina reflecte, quase sempre, um mau professor. Aprendi também que a culpa de ter sido mau aluno não era só minha.
- A Matemática é uma escada" - disse-me o novo professor, - sobes o 1º degrau e só quando tiveres o pé aí bem assente, sobes para o 2ª e, assim, sempre a subir, sobes até onde quiseres.
E tinha razão. Eu fiz como ele disse, perdi o medo à Matemática e, guardei para a viva uma primeira ideia do que é ser professor.
No 5º ano (o actual 9º), recordo o Dr. Cassiano Vilhena, o professor de Ciências Naturais, o docente que abriu portas à minha paixão pelas ciências da Terra.
Com ele as rochas e os minerais deixaram de ser pedras inertes e passaram a ser vistas como documentos da evolução do nosso planeta. Com ele, a antiga cristalografia morfológica, livresca e aparentemente desinteressante, ganhava forma no espaço tridimensional. Com ele aprendi o significado dos fósseis no conhecimento da complexa marcha da Vida e que as diferentes paisagens, na sua imensa biodiversidade, têm por suporte o solo e que este não é mais do que a capa superficial das rochas, alterada pelos agentes atmosféricos, capa essa necessária à fixação das plantas.
Nos 6º e 7º anos tive um bom professor de Filosofia, disciplina que me deu gosto estudar e que interiorizei como sendo a via que conduz a nossa mente a pensar sobre o pensamento, razão mais do que suficiente para me merecer o respeito que lhe é devido.
Descodificando a terminologia, tantas vezes hermética que afasta qualquer adolescente, o Dr. Piedade Morais mostrou-me toda a beleza e utilidade desta disciplina na harmonização do saber e facultou-me uma segunda ideia do que é ser professor.
Está aqui, nesta prestigiada Universidade de Évora, uma parte substancial das minhas raízes como profissional e como cidadão. Foi aqui, como aluno, bom numas disciplinas e mau noutras, a par de múltiplas experiências no pulsar laboral da cidade e do mundo rural à sua volta, que aprendi a ser como sou.
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