29.1.22

Grande Angular - Instituições vulneráveis


Por António Barreto

Entre outras características, as instituições podem ser fortes e independentes. Ou o seu contrário: fracas e submissas. A força das instituições advém-lhe da história, da tradição, do consentimento renovado e da sua independência. Actualmente, é bem provável que a vulnerabilidade das instituições seja o elo mais fraco da democracia portuguesa.

Sem instituições fortes e independentes, os direitos fundamentais, com as designações variadas de direitos humanos, do cidadão, cívicos e políticos, são fracamente defendidos. A liberdade humana e a cidadania não se esgotam nos regimes políticos, nem nos sistemas constitucionais e jurídicos. São conhecidos Estados que utilizaram o Direito para limitar, reduzir ou até contrariar os direitos humanos e as liberdades. O Estado Novo, uma “ditadura jurídica meticulosa”, como lhe chamou em tempos Manuel de Lucena, é um bom exemplo. O Direito e a Constituição não defendem necessariamente as liberdades e os direitos humanos. Nem respeitam infalivelmente as actividades e iniciativas de outra índole, como sejam a religião, a cultura, a arte e a ciência.

O que faz com que os sistemas políticos, o direito e a lei respeitem os direitos fundamentais e as liberdades é justamente a força institucional. Esta última mede-se pela sua independência e pelo permanente consentimento social. A evolução recente da sociedade portuguesa dá indicações de perigos que espreitam, de instituições frágeis e de tentativas de redução da sua autonomia. Se é verdade que a democracia erige o povo em soberano, em princípio organizador da comunidade, também é verdade que tal génese não permite acreditar que, neste regime, quem manda é a política, que a política se sobrepõe ao direito, à cultura, à economia, à religião e à arte. Na verdade, no respeito pela liberdade, a política tem de compor com todas aquelas esferas de acção humana.

Vivemos quase quatro décadas de corporativismo autoritário e de ditadura, durante as quais vigorou o princípio do predomínio da política e do Estado. Assim como vigorou, em consequência, a submissão de quase todas as actividades às regras e às leis aprovadas autoritariamente. Não se tratava de regime totalitário, no qual as instituições são destruídas ou eliminadas, mas sim de regime autoritário e ditatorial, que submetia as instituições e mantinha sob vigilância todas as actividades e iniciativas públicas.

Desde a fundação da democracia, nos anos 1970 e 1980, os portugueses vão conhecendo uma vida colectiva até então inédita, assente, entre outros, na liberdade, no primado do direito, nas garantias fundamentais e no pluralismo. Mas, sob pressão dos partidos, foi-se criando a ideia de que a política se sobrepõe a toda a vida pública. Assim se faz com que, dia após dia, ano após ano, se fortaleça o Estado, em detrimento das instituições como, por exemplo, as academias, as associações, os sindicatos, as empresas ou as religiões. A centralização administrativa, o primado da política, a dependência financeira e a tutela europeia completam o quadro de vulnerabilidade. A que também não é estranha a ingerência política.

Olhemos à nossa volta. Que organizações aumentam os seus poderes e as suas funções? O Estado central. A União Europeia. A grande banca e as muito grandes empresas multinacionais. Os partidos políticos. Os clubes de futebol. Quem perde poderes e autonomia? As magistraturas. As Forças Armadas. As universidades e as academias. As associações profissionais. Os sindicatos. A Igreja católica e as restantes religiões. As escolas. A imprensa. Neste panorama cinzento, as autarquias municipais ocupam lugar especial: ainda fortes, mas dependentes.

O caso da justiça é talvez o mais grave. Dela dependem a democracia e a liberdade. Os episódios quase quotidianos relativos a crimes de corrupção e nepotismo, a abuso de poder e branqueamento, a roubo e aproveitamento indevido, aos seus julgamentos e à instrução de processos, deixam a população inquieta e desconfiada. É estranho que os titulares dos cargos políticos não compreendam o mal que se está a fazer. Confiar na justiça é hoje raro ou impossível. A morosidade, as chicanas, a incompetência, a manipulação e a distorção de procedimentos são excessivos. Alguns bandidos da política e da finança formam uma legião que vai deixar gerações de portugueses descrentes da democracia e da justiça. Não há estrada que não esteja manchada. Não há PPP que não esteja sob forte suspeição. Não há concurso de que não se suspeite. Todo este universo de corrupção, incompetência, roubo e injustiça é, para alguns, fonte de regozijo: assim se mostra a pulhice da economia de mercado, a vulnerabilidade da sociedade liberal e a corrupção endémica da democracia. Para eles, quanto pior, melhor. Sempre tiveram a certeza da superioridade da economia estatal, da banca nacionalizada, da justiça dependente e da democracia temperada por regras que não apenas a da representatividade democrática. O que realmente impressiona é que os dois grandes partidos não percebam que os alicerces da sua vida e os factores da sua sobrevivência estão em séria crise.

Também nas Forças Armadas assistimos a acontecimentos que sublinharam a fraqueza desta instituição. As Forças Armadas não se querem independentes do soberano (monarca, Estado ou povo), mas sim autónomas dos governos. Tal como as magistraturas, querem-se impendentes dos governos, dos partidos, das profissões, dos sindicatos e das associações. Mas são dependentes, em última instância, do povo soberano, sobretudo para respeitar e fazer respeitar a lei, que não é da sua autoria. As universidades querem-se independentes de tudo e de todos, no que à ciência, à investigação, ao saber e à pedagogia diz respeito. Mas, nas suas funções de serviço público, dependem do soberano e dos órgãos de soberania. É este equilíbrio, entre autonomia e independência, por um lado, e dependência da decisão soberana, por outro, que é difícil de manter, mas que é o segredo da liberdade.

A fraqueza e a debilidade das instituições em Portugal serão talvez as principais ameaças das liberdades e da democracia. Ao lado da pobreza, da desigualdade e da falta de cultura, a fraqueza da democracia portuguesa reside na fraqueza das suas instituições.

Público, 29.1.2022

Etiquetas:

28.1.22

VÃO DAR SANGUE

Por Joaquim Letria

Recordo-me dum tempo em que não havia ONGS (Organizações Não Governamentais) subsidiadas por discretas secretarias de Estado nem por Altos Comissariados.

Mas havia muita generosidade. Mandava-se tabaco e ambulâncias para os militares em Angola, Guiné e Moçambique e não se dizia que o tabaco mata porque dizer isso a quem andava aos tiros parecia, com certeza, muito mal.

As coisas chegavam ao destino a tempo e horas, como eu próprio me lembro de comprovar e as senhoras da Ditadura andavam entretidas com a caridade. Hoje não há caridade. Há solidariedade que parece ser mais uma conquista de Abril.

Dantes, a solidariedade era outra coisa – era clandestina e feita a favor das famílias dos presos políticos ou dos mortos pela PIDE.  A caridade também só rendia aos pobrezinhos. Hoje, a solidariedade parece ser uma actividade bem lucrativa.

Lembro-me dum incêndio que destruiu toneladas de bens alimentares destinados a minorar a fominha da miséria envergonhada que anda por aí. O fogo ocorreu em circunstâncias estranhas e muitos ficaram a pensar como é que com tanta gente a fingir que almoça um “croissant” e um copo de leite e janta uma tigela de sopa. Não se tinha distribuído tanta proteína, hidratos, ferro e vitaminas armazenados em condições perecíveis e deploráveis.

Actualmente, milhões de euros angariados por comovente generosidade não chegam ao destino ao cabo de anos passados sobre impiedosa destruição de vidas e bens por incêndios provocados pela ganância daqueles que dizem combatê-los, no continente e na Madeira.

Meninas desta situação e meninos “prafrentex” assalariados por comissariados e ongs aparecem regularmente muito empreendedores a pedir ajudas através de números de telefone de valor acrescentado e depósitos em contas à ordem. O Estado não se fica atrás: cobra IVA e outros impostos sobre donativos e obras de reconstrução daquilo que não protegeu ou até ajudou a destruir e engorda ainda mais à custa da desgraça. 

Há décadas que contribuo para uma organização com sede no Reino Unido que ajuda populações carenciadas no Terceiro Mundo. Todos os anos recebo um relatório e contas para que eu fique a saber como foi bem empregue cada tostão e quem beneficiou com a minha ajuda e a generosidade de milhares de outras pessoas que anonimamente também querem ajudar o próximo.

Por cá, o regabofe atingiu um ponto que não se pode criticar aqueles que dizem que só pagam o almoço a quem tem fome e ajudam directamente quem vive com pensões miseráveis, dando dinheiro em numerário só a desgraçados que precisem dum “xuto”, antes que estes vão roubar alguém.

As meninas e meninos desta situação podiam ser mais úteis a … dar sangue. Dói um bocadinho, mas também está em falta. E com o “empreendedorismo sustentável” que os anima ainda descobrem que o sangue pode ser  um rentável  nicho de mercado.

Publicado no Minho Digital

Etiquetas:

27.1.22

Opus Dei ou Opus Daemonii? (Subsídios para o conhecimento da seita)

Por C. Barroco Esperança

É curioso como se urdiu a campanha contra a Maçonaria, especialmente contra o GOL, associando-a à Opus Dei, sob o alto patrocínio da direita jurássica e dos sindicalistas da ASJ e do SMMP, que representam os exóticos sindicatos judiciais, com a conivência da comunicação social. Os sindicalistas queriam expor quem fosse magistrado ou político. Sabendo da ilegalidade, era a forma de lançar suspeitas.

Foi uma vindicta a lembrar os tempos do salazarismo, onde a Maçonaria era o inimigo, aliás, compreensível, pela sua história na luta pela liberdade. Foi no seu seio que nasceu a Revolução de 1820, o 31 de Janeiro, o 5 de Outubro e, até, o SNS, ainda que o último tivesse o apoio e entusiasmo da esquerda parlamentar.

A associação à Opus Dei, com razões para ser designada Opus Daemonii, para recordar o latim e o mito religioso, foi um truque bem montado para fingir a isenção dos autores da perseguição à maçonaria, que imaginam santa a outra. 

Ainda duram as comemorações do 75.º aniversário da prelatura pessoal de João Paulo II, a principal financiadora das suas atividades políticas, com evocações da freira Lúcia, que tinha pacto com o Divino, conversas com Jesus Cristo e fazia recados a Maria. 

Para recordar quem era o santo Josemaria Escrivá, que compraria o título nobiliárquico, “Balaguer”, vale a pena lembrar que foi um cúmplice de Franco e que os membros da seita estiveram sempre bem representados nos seus Governos.

A avidez do dinheiro não fica aquém da fé na Virgem Maria, fixação do fundador e dos seguidores, razão por que estiveram na origem de falências fraudulentas de que os escândalos “Matesa” e “Rumasa” foram paradigmáticos, em Espanha, e o do Banco Ambrosiano, cujas orações de João Paulo II e a sua negação de extradição do Vaticano impediram o arcebispo Marcinkus de ser julgado em Itália.

Em Espanha, os principais quadros do partido fascista VOX são oriundos dos colégios da Opus Dei e da sua Universidade de Navarra.

Em Portugal, o 75.º aniversário tem sido objeto de exaustiva campanha de publicidade protagonizada pelo primeiro padre da seita, em Portugal, o ora monsenhor Hugo de Azevedo, cujo ideário fascista ficou bem plasmado no Jornal de Notícias onde foi colaborador regular durante muitos anos.

Ponte Europa Sorumbático

É ainda o vetusto sacerdote o promotor da reedição de o “Caminho” e outras obras pias de Josemaria Escrivá, mantendo silêncio sobre o império financeiro e económico, sobretudo no Chile, porque a Opus Daemonii não se governa com ave-Marias, como diria o arcebispo Marcinkus.

Ámen!

Etiquetas:

22.1.22

Grande Angular - Regionalização… Outra vez!

Por António Barreto

Parece o mito do eterno recomeço. Nunca falha. Em momento de pausa. Em vésperas de eleições. Para desviar as atenções e olhar para outro lado. Para esquecer uma crise. Quando não há mais nada para dizer. Para dar a impressão de que se tem uma ideia. Nestas circunstâncias, uma só palavra: Regionalização. Sempre nova e virginal. Fresca e pura, matinal e limpa: eis a Regionalização.

Há talvez trinta ou quarenta anos que se volta à casa de partida. Já partidos desistiram. Presidentes assobiaram para o ar. O povo chumbou o referendo. Muita gente mudou de opinião. Nada disso interessa. A regionalização é sempre uma novidade, uma causa, uma maneira de incomodar o adversário. Em vésperas de eleições, um último trunfo do Primeiro-ministro: regionalização dentro de dois anos!

Quem a defende, agora e sempre, foge a explicar por quê e para quê, não nos revela os objectivos reais, limita-se a proclamações sempre justas. A regionalização é, por definição, uma virtude. Sem conteúdo. Mas com bondade. Mais direitos para os cidadãos, mais igualdade para os Portugueses, governo mais próximo, melhor conhecimento das necessidades do povo, mais democracia, mais desenvolvimento do interior, mais eficácia na decisão, menos burocracia… Eis o rol das virtudes. Nenhuma está provada. Mas esse é o mérito da dogmática: as verdades são o que são, não se demonstram.

Os defensores da regionalização e de todas as suas virtudes não referem, por exemplo, o facto de algumas das mais importantes reformas sociais terem sido de carácter nacional, unificador, como são os casos do acesso à universidade, da alfabetização, da segurança social ou do serviço nacional de saúde. Também não referem o facto de a maior parte dos novos recursos para o desenvolvimento, o bem-estar e a inovação resultarem, não de qualquer bondade da regionalização, mas sim do maior empreendimento nacional, internacional e federal que se conhece, isto é, a integração europeia, os seus fundos e as suas regras de homogeneização.

Para que serve então a regionalização? Por que razões e por que diabo o tema volta sempre como as aves migratórias? Vale a pena aferir as vantagens da regionalização para a resolução das necessidades nacionais e para a resolução dos grandes problemas. Em que é que a regionalização ajuda nas prioridades nacionais? O inventário não é famoso. Vejamos por partes.

Que pode fazer a Regionalização de bem na Justiça? Nada! 

Na integração europeia, no exame das políticas europeias, na revisão fundamental das políticas de defesa, de segurança e de imigração? Nada!

Na acção de combate à pobreza, sobretudo à pobreza infantil, na tentativa de diminuição da desigualdade crónica da sociedade portuguesa? Nada!

Nas políticas de integração cultural e social das minorias, dos imigrantes e das populações estrangeiras? Nada!

Na defesa, consolidação e desenvolvimento do Serviço Nacional de Saúde, para a sua maior eficácia e para a sua menor desigualdade? Nada!

Na política demográfica, promovendo a natalidade, amparando o envelhecimento activo, fomentado a actividade útil dos idosos, diminuindo a emigração e controlando ou estacando a imigração ilegal? Nada!

Na formação secundária, técnica, profissional e superior, grande carência da sociedade e dos portugueses? Nada!

No acesso à cultura e à ciência por parte dos jovens? Nada!

No investimento privado, produtivo e de bens transaccionáveis? Nada?

No fomento da exportação, necessidade absolutamente urgente e vital? Nada!

No desenvolvimento da produtividade e da competitividade, deficiência maior da sociedade portuguesa e das estruturas produtivas nacionais? Nada!

Este é o catálogo. Para recordar.

Segundo os seus defensores e sacerdotes, a Regionalização melhora a democracia, descentraliza, aumenta a proximidade do povo, promove melhor governo, estimula a eficácia e traz mais recursos para o desenvolvimento. Tudo isso está por provar, evidentemente. Tudo isso poderia ser feito com o Estado actual e com as autarquias actuais. A começar pela descentralização, que qualquer governo poderia ter promovido, nestes quarenta anos, mas que não fez por razões evidentes de ocupação do Estado central.

Depois de trinta anos de falhanços, de um referendo perdido, de comissões majestáticas, de milhares de páginas de relatórios definitivos e de leis inúteis, vamos talvez recomeçar tudo dentro de alguns meses. Depois também de pelo menos cinco mapas ou desenhos das regiões, facto suficiente para demonstrar que a identidade regional em Portugal é inexistente. Ou pelo menos errática, fluida e nebulosa, como é a sua ideia.

A Regionalização é um biombo que esconde alguma coisa. É um disfarce que mascara. É um pretexto para adiamento. É uma desculpa para a incapacidade dos partidos. É um engodo para aliciar incautos. É uma falsa descentralização. É uma democracia ilusória. É uma tentativa deliberada de diminuir as actuais instituições, o poder local e a identidade nacional, a favor de duas novas entidades, a região administrativa e a federação europeia. A União Europeia procura ultrapassar os Estados nacionais, assim como os poderes locais, em favor dos poderes regionais, com menos força política.

Com as possíveis excepções dos Açores e da Madeira, não há verdadeira identidade em região alguma do país. Não há pressão social a reclamar. Não há reivindicação popular promovendo esta reforma do Estado. Não há instituições regionais sólidas que dêem força à regionalização. Não há tradição histórica regional.

A proposta de mapa regional mais referida é a que prevê cinco regiões: Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve. É esta a afirmação mais clara da vontade de criar entidades artificiais, sem história, muito menos identidade. Onde estão Trás-os-Montes e Alto Douro, o Douro, o Minho, a Beira ou as Beiras, a Estremadura ou o Ribatejo, para já não falar do Alto e do Baixo Alentejo? 

Com eventual excepção das regiões metropolitanas de Lisboa e do Porto, que para nada necessitam de Regionalização, as regiões do interior e do resto do país não têm força própria nem recursos para assumir um papel relevante de desenvolvimento.

A Regionalização é, em Portugal, nos tempos actuais, o maior embuste político que se possa imaginar.

Público, 22.1.2022

 

Etiquetas:

21.1.22

A DESCULPA DA CHALEIRA

Por Joaquim Letria

Temos Internet, mandamos sondas a Marte, vemos TV digital, usamos satélites e foguetões, chegámos à lua há mais de 30 anos e ainda não somos capazes de  inventar uma chaleira que não entorne o chá por fora.Para os que se preocupam com estas coisas insignificantes, sou um infeliz traidor do chá Earl's Gray ou do Simpson's Morning tea e acabo por beber uma boa chávena de  café com dois dedos de uísque irlandês ou canadiano.

É uma maneira de me desculpar e não estragar um bom malte ou scotch.

E encontro uma pausa na guerra com a chaleira...

Publicado no Minho Digital

Etiquetas:

20.1.22

Quo Vadis, Justiça portuguesa? – 2 – Emídio Rangel e os sindicatos de magistrados

Por C. B. Esperança

O falecido jornalista Emídio Rangel, fundador da TSF e ex-diretor-geral da SIC acusou, em 2010, na AR, numa comissão de inquérito sobre o tema da liberdade de expressão e os meios de comunicação social, a ASJP e o SMMP de serem “duas centrais de gestão de informação processual, concretizada através da promiscuidade com os jornalistas”.

O prestigiado jornalista foi alvo de uma ação movida pelos exóticos sindicatos e acabou condenado, em 8 de maio de 2012, a pagar a cada um, além de 50 mil euros, por danos não patrimoniais, 300 dias de multa à taxa diária de 20 euros, o que totalizou 106 mil euros, sendo parte desse valor já pago pelos herdeiros após a sua morte, em 2014.

Num país onde a liberdade de expressão honra a jurisprudência, a pena deixa a sensação de vingança corporativa. Foi a decisão de juízes sobre a queixa de outros juízes.

Emídio Rangel não se conformou e recorreu para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) que, agora, 7 anos depois da sua morte, condena o Estado Português a pagar 31.500 euros às herdeiras a título de danos materiais, e 19.874,23 euros a título de custas e despesas, no caso relacionado com liberdade de imprensa.

A vitória para a liberdade de imprensa e respeito por um dos jornalistas mais inovadores na informação televisiva, exigem a divulgação da decisão que redimiu a injustiça.

Não sei se é possível obrigar a ASJP e o SMMP a restituírem as importâncias recebidas, para ressarcir o Estado, mas exige-se aos cidadãos que reflitam na legitimidade sindical dos magistrados judiciais e no perigo dos seus sindicatos para a politização da Justiça.

A notícia, apesar de contrariar a jurisprudência portuguesa e de se referir a um dos mais proeminentes jornalistas, passou despercebida entre o ruído mediático para denegrir o governo e a constituição de arguido do ex-ministro Cabrita, passageiro do carro oficial em excesso de velocidade, por homicídio negligente, num acidente.

No dia seguinte à divulgação do acórdão do TEDH (12-1), o presidente da ASJP, no seu artigo quinzenal no Público, criticou os programas do PS e PSD para a Justiça, nas decisões e/ou omissões, mas foi omisso nas desculpas às filhas do ilustre jornalista e na restituição do dinheiro recebido da herança pela ASJP. 

Os presidentes dos sindicatos de magistrados, ansiosos por conhecerem os colegas que pertençam à maçonaria ou à Opus Dei e, já agora, porque não ao Opus Gay, podiam informar o País se os juízes que condenaram Emídio Rangel eram sindicalizados.

É bem mais importante para os cidadãos saberem se são sindicalizados os juízes que julgaram as ações propostas pelos seus sindicatos do que se pertencem a associações cívicas ou religiosas, tanto mais que o TEDH considerou que os tribunais portugueses não fundamentaram adequadamente a decisão judicial na qual condenaram Emídio Rangel e que tudo o que se passou não era necessário numa sociedade democrática.

Segundo o TEDH, o tribunal português deu como provado que Emídio Rangel agiu com dolo e proferiu juízos e declarações consideradas ofensivas para as duas organizações judiciárias, sentença confirmada pela Relação de Lisboa, que reduziu para 10 mil euros a indemnização para cada um dos sindicatos, e que o STJ decidiu a favor dos sindicatos, aumentando, de novo, o valor da indemnização. 

A sentença do TEDH é uma séria derrota do corporativismo judicial e uma vitória da liberdade de imprensa que se saúda.

janeiro 20, 2022Sorumbático


Etiquetas:

17.1.22

No "Correio de Lagos" de Dezembro de 2021

  


«Queimar combustíveis fósseis é como partir a mobília para alimentar a lareira, por ser mais fácil do que ir buscar lenha»  Theodore Roosevelt

«A partir de agora, 50% dos carros comprados pelo Estado serão eléctricos» – Matos Fernandes, Ministro do Ambiente, em Fevereiro de 2019.

.

SUPONHO que, desde que há jornais, todos têm de reserva uns quantos textos a que podem recorrer para preencher inesperados espaços em branco — e nem precisam de ser plausíveis, dado que, após terem cumprido a sua função, esperam que nunca mais ninguém se lembre deles; mas não foi isso que sucedeu comigo, na rábula que passo a contar: 

Segundo uma dessas “notícias”, num certo aeroporto internacional houve um brincalhão que, acedendo à instalação sonora sabe-se lá por que artes, informou os passageiros de que um determinado voo partiria com atraso, a menos que alguém pudesse emprestar... um ELÁSTICO!  Acredito que devo ser a única pessoa, das muitas que leram a “notícia”, que ainda se lembra dela, mas isso sucede porque, no dia 30 de Julho de 1976, também eu me vi na situação embaraçosa de depender de um ELÁSTICO para que corresse bem um acto importante da minha vida — nada menos do que o meu casamento! E foi assim:


TRÊS ANOS antes, na sequência da guerra israelo-árabe, os países que tinham apoiado Telavive foram sujeitos, por parte dos produtores de petróleo da região, a um boicote que implicou, além de uma dramática escassez de combustíveis, limitações no fornecimento de energia eléctrica, pelo que, pelo menos em Lisboa (onde eu morava), toda a electricidade era cortada durante duas horas por dia e, TRÊS ANOS DEPOIS, ainda a situação se mantinha! Portanto, quando, a meio da tarde do tal 30 de Julho, eu esperava os convidados e o notário que haviam de acorrer a minha casa (onde iria decorrer a cerimónia), lembrei-me de que os elevadores não funcionariam, a campainha da porta também não, e nem se poderia contar com o trinco eléctrico para abrir, à distância, a da rua. E foi por isso que, ao mesmo tempo que me lembrava da história que atrás contei, dei por mim em busca de um ELÁSTICO para poder encravar o mecanismo da porta do prédio!

 

EM TERMOS mais gerais, seria de supor que, perante esse choque petrolífero, o nosso mundo, viciado nos hidrocarbonetos, fizesse qualquer coisa para contrariar essa dependência. Mas não, e de vez em quando apenas acorda com sobressaltos como greves de camionistas ou, como há pouco sucedeu, com o fecho do gasoduto que trazia gás natural da Argélia para a Península Ibérica, passando por Marrocos, ou com a ameaça da Bielorrússia de “fechar a torneira” do que passa no seu território.

 

ENTRETANTO, decorreu recentemente, em Glasgow, uma importante reunião internacional para debater as “alterações climáticas” (na qual, obviamente, a ÁGUA e os COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS foram as “estrelas”), onde marcaram presença Joe Biden, António Guterres, Boris Johnson, a Família Real britânica... e por aí fora, enquanto “marcaram AUSÊNCIA” Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa (de um país que se queixa de vir a ficar debaixo de água com a fusão dos gelos da Antártida!), tendo ambos preferido pôr em prática o “Think globally, act locally” que é como quem diz «Preocupa-te com o mundo, mas trata da tua terrinha».

Ora, pensando bem, até foi melhor assim, pois corriam o risco de que alguém, conhecendo a nossa realidade, lhes lançasse em cara que há, por cá, quem gaste dinheiro público em carros de combustão; que destrua, à dúzias de cada vez, essas “máquinas de descarbonizar” chamadas “árvores”; que deixe candeeiros de iluminação pública acesos durante o dia e — cereja em cima do bolo — que use água potável para alimentar lagos e repuxos, lavar carros, encher piscinas e autoclismos — nem sequer hesitando em regar extensos relvados em dias de chuva (!!), usando água que não raro se encaminha directamente para as sarjetas! — tudo isso (e muito mais) numa orgia de desperdício que nos devia envergonhar a todos. Portanto, fizeram esses governantes muito bem em seguir o conselho da minha avó: «Se é para fazeres tristes figuras, deixa-te ficar em casa».

 

Etiquetas: ,

16.1.22

No "Correio de Lagos" de Dezembro de 2021

 

Etiquetas: ,

15.1.22

Grande Angular - Justiça e eleições


Por António Barreto

É um exagero falar de “guerra civil” na Justiça portuguesa. Mas parece que, na história recente do país, vivemos o momento de maior conflitualidade dentro da justiça. Já conhecemos implicações sérias nas relações entre a Justiça e a política, entre a Justiça e o governo, entre a Justiça e os grandes grupos económicos. Trata-se de relações complexas, feitas ora de aversão ora de cumplicidade. Neste universo controverso, sempre houve de tudo. Ou sempre se suspeitou de tudo. Dos mais baixos interesses materiais e dos mais elevados interesses políticos. De interferências cristãs ou maçónicas. De favores prestados a partidos ou a clubes de futebol.

A todo este rol de desconfianças, muitas delas confirmadas por “casos” recentes de corrupção comprovada e de demissões abruptas, vem agora acrescentar-se a terrível sensação de que a crise e as dificuldades da justiça se devem à guerra entre dois magistrados! Já tivemos justiça de esquerda e justiça de direita. Já tivemos justiça dos pobres e justiça dos ricos. Já tivemos justiça dos poderosos e justiça do povo. Que temos agora?

A maior parte da Justiça portuguesa (e a grande maioria dos magistrados) é relativamente imune aos piores interesses. Sabe-se que os tribunais resolvem por ano mais de 500 000 processos. Como sabemos que a média de duração dos processos, apesar de elevada, não é excessiva. As comparações internacionais não sugerem que a justiça portuguesa seja tão má quanto se diz. A maior parte da justiça portuguesa, honra seja feita aos magistrados e aos oficiais, trabalha bem e merece respeito.

            O problema é quando há arguidos importantes e advogados reputados. Sempre que há ricos e poderosos, há caso. Há questão quando há políticos, deputados, ministros, secretários de Estado, empresas, bancos, comerciantes, gestores públicos, construtores de obras públicas, dirigentes de futebol e negociantes de desportistas. E como ainda por cima muitas destas personalidades estão ligadas entre si, tudo fica mais difícil. Os comportamentos dos magistrados e dos advogados, nestes casos, tornam-se estranhos. As chicanas burocráticas multiplicam-se. As dificuldades processuais crescem como metástases. Dezenas de políticos e empresários esperam anos por julgamento, mais apropriadamente seria dizer que esperam por prescrição. Se há países em que seja possível dizer que existem duas justiças, a dos poderosos e a dos cidadãos, Portugal é certamente um deles.

Veja-se a lista de acusados, arguidos e investigados. Primeiro-ministro, ministros, secretários de Estado, banqueiros, presidentes de institutos, chefes de polícia, juízes da primeira instância, juízes da Relação, presidentes de clubes de futebol… Haverá, na Europa, muitos países em que seja possível estabelecer uma lista como esta? Felizmente que ainda temos imprensa livre que se dedica a escrutinar um dos mais herméticos labirintos da sociedade portuguesa.

É aliás curioso ver como o segredo de justiça se transformou num mecanismo de defesa dos magistrados e dos poderosos. As fugas de informação e as violações do segredo de justiça estão entre os factores mais referidos como deficiências da justiça. O problema é que fugas e violações têm uma origem. E autores. Sempre foi claro que não há fugas nem violações sem responsabilidade dos agentes de justiça. Dos magistrados. Dos oficiais de justiça. Dos advogados. Mas o mais certo é que se trate da responsabilidade dos magistrados. Ou porque assim entendem e têm algo a ganhar com isso. Ou porque não tomaram as precauções necessárias para evitar as fugas e as violações. São responsáveis por acção ou por omissão. Por vontade própria ou por incompetência.

A campanha eleitoral revela bem o desinteresse dos partidos pela justiça. Em relação ao, provavelmente, o mais complexo dos problemas, o pior de Portugal, o mais grave do país… nenhum dos candidatos mostrou real preocupação, nenhum dos partidos traçou caminhos. E todos sabem que, apesar da independência dos tribunais, mau grado a autonomia dos magistrados, não há qualquer solução ou melhoria sem legislação, sem revisão dos códigos e dos processos, sem governo e sem parlamento. A covardia dos políticos portugueses perante a justiça, assim como a hipocrisia do alegado respeito pela independência dos magistrados, são dois dos piores defeitos da nossa vida colectiva.

Sabemos que é necessário respeitar a independência dos magistrados em tribunal. E a autonomia dos procuradores em processo. E a seriedade de todos em julgamento. Mas a justiça depende do soberano. Do povo. Não fica bem aos magistrados invocar a sua independência para justificar a sua auto-gestão ou disfarçar as suas culpas. Não fica bem ao político e ao legislador invocar a independência dos tribunais como desculpa para a sua inacção.

Por isso tudo, teria sido importante que a campanha eleitoral se tivesse debruçado seriamente sobre a justiça e os seus defeitos. Os partidos deveriam ter agido sem medo de invadir territórios alheios e sem receio de serem acusados de ataque à independência dos magistrados. A justiça jamais se reformará a ela própria. Ainda por cima, sabendo nós que os magistrados estão praticamente em guerra.

Será que os responsáveis políticos, os dirigentes do Estado, os principais magistrados não percebem, não sentem, não se dão conta do que se está a fazer ao país e à população? Com esta demonstração de incompetência, de covardia, de partidarismo e de parcialidade, está a causar-se um dano irreversível, perene ou de longa duração ao estado moral da população, à confiança do povo na justiça e nas instituições. Será que não percebem que a população perde a confiança, perde o sentido moral da vida colectiva, perde a dimensão ética da vida política? 

Já nos interrogámos sobre as razões pelas quais a justiça portuguesa perde tantos recursos nos tribunais europeus? E os motivos pelos quais a justiça portuguesa perde tantos processos internacionais, designadamente europeus, quando estão em causa a liberdade de expressão e a liberdade da imprensa?

É pena que assim seja. A justiça é talvez o mais poderoso factor de liberdade. A mais importante garantia de liberdade. A mais eficaz defesa da liberdade. Um tribunal é tão importante quanto uma urna de voto. Ou uma palavra impressa. Não cuidar da justiça é não cuidar da liberdade. 

Público, 15.1.2022

 

Etiquetas:

14.1.22

A FALTA DE RESPEITO PELO CARTEIRO

Por Joaquim Letria

Hoje em dia, o carteiro é uma figura que perdeu todo o poder e influência que tinha na nossa juventude.

Também para que o ofício de carteiro reconquiste o respeito generalizado, só é preciso cumprir um pequeno requisito: que as pessoas se escrevam, que escrevam umas às outras, que declaremos o nosso amor, cortemos as nossas relações, agradeçamos um jantar ou um convite por carta.

Quanto mais não seja, para que sejamos capazes de vencer o nosso programado futuro de pessoas sem nada para reler.       

Para que existamos  e restemos para lá da morte. 

Publicado no Minho Digital

Etiquetas:

13.1.22

Eleições legislativas – Os irritantes debates partidários

Por C. B. Esperança

O cumprimento do calendário das eleições, que os partidos e o PR podiam ter evitado, obrigaram ao rali de debates, raramente atraentes, num modelo que permite a populistas e demagogos satisfazer nichos de mercado eleitoral prejudiciais à democracia.

Há na liturgia eleitoral situações que incomodam particularmente, sendo irrelevantes as gafes, que apenas divertem na razão direta da importância do líder que as comete.

Irrita o modelo, talvez incontornável, para aviar a vastidão de partidos. É impossível em 20 minutos defender ideias e, juntamente, desmontar mentiras de quem apenas pretende a subversão da democracia e a capitalização do ódio e do ressentimento que 48 anos de democracia não erradicaram. São fãs da ditadura que voltam, fascistas que renascem.

Irritam os comentadores que vêm explicar aos telespetadores o que acabaram de ver e ouvir no debate que findou, quase sempre profissionais avençados, a distorcerem o que foi dito e a imaginarem estúpidos os telespetadores que não mudaram logo de canal.

Irrita a apreciação futebolística dos debates pelos comentadores, a atribuírem pontuação aos políticos, numa atrevida irreverência professoral de imitação neo-marcelista.

Irritam os jornais, claramente direitistas, sem falar nos assumidamente reacionários, que vêm depois organizar a opinião de quem não assiste e acredita que a mentira impressa é uma verdade incontestável.

Mas, do que se ouve e vê, do folclore que, apesar de tudo, faz parte da democracia, fica a desolação de ver um arruaceiro criado na madraça do Dr. Relvas e do ora catedrático Passos Coelho, líder fascista, a ser tratado como pessoa normal e cidadão respeitável.

A normalização do fascismo e a humanização do fascista é a pior herança que fica desta campanha eleitoral, em tempo de pandemia e ambiente de incerteza, perante ameaças de crise sanitária, política, económica e financeira, a nível global, enquanto a paz fragiliza, a bomba demográfica explode e o aquecimento global acelera.

O resto, a luta entre os partidos faz parte da democracia, que, sendo o que é, é ainda um regime que permite o pluralismo partidário e as divergências ideológicas.

Viva a democracia! 

E cada um assuma a responsabilidade das consequências do seu voto ou da abstenção.

Ponte EuropaSorumbático

Etiquetas:

11.1.22

No "Correio de Lagos" de Dezembro de 2021


TODOS os anos, e a propósito da “semana da mobilidade”, relembramos aqui que, no dia 17 de Outubro de 2014, um cidadão estrangeiro, de quem pouco ou nada se sabe, foi atropelado mortalmente na rua Lançarote de Freitas, drama que não deve ter sido alheio ao facto de, em boa parte da sua extensão, essa rua não ter passeios dignos desse nome.

Este ano, e para variar, escolhemos a Travessa Gil Vicente e a Rua Dr. Júlio Dantas, para as quais as imagens dizem tudo, excepto onde estão os passeios com 1,5 m de largura (a que a legislação obriga — DL 163/2006), e que, por sinal, já foram de 2,25 m (se fosse respeitado o DL 123/97, que o mais recente revogou).
.
NOTA: Dizem-nos que essas e outras ruas são anteriores a essa legislação, mas isso toda a gente sabe; o que também se sabe é que os pilaretes são recentes, e veja-se como, quem os colocou, teve o “cuidado” de, sem que para tal houvesse necessidade (até porque são ruas de sentido único), reduzir — ainda mais! — o pouco espaço destinado aos peões.

Etiquetas: ,

8.1.22

Grande Angular - Património

Por António Barreto

O Fórum Cidadania LX, associação que defende a cultura em Lisboa, acaba de prestar mais um serviço ao país: propôs uma providência cautelar contra o Estado por causa da degradação rápida do Palácio Burnay. Há anos que esta associação presta atenção a todos os actos que dizem respeito ao património, geralmente os que lhe fazem mal. Escrevem aos poderosos. Avisam os cidadãos. Recolhem contributos, acolhem testemunhos, apresentam queixas, denunciam e por vez aplaudem.

Aquele palácio, interessante, valioso, tem mais de dois séculos e pertence há oitenta anos ao Estado. Ali viveram famílias ricas, estudantes universitários frequentaram aulas e trabalharam funcionários de um ministério. Há anos que o edifício está abandonado. A degradação é rápida e fatal. Já foram roubadas móveis, artefactos, telas, frescos, azulejos e pinturas.

Ali tão perto, o Palácio da Quinta das Águias e o Paço Real de Caxias mostram bem que não se trata de casos raros: na verdade, todo o país está polvilhado de ruínas, de casas civis, de quintas e palácios, passando por mosteiros, igrejas, escolas, fábricas, estações de caminho-de-ferro… Tudo o que der para hotéis de charme, tem futuro, não tem restauro, mas tem futuro. Se não estiver à mão do turismo fácil, não tem futuro.

Não muito longe, está a recordação das jóias da Coroa roubadas após empréstimo mal concebido. E também por perto, a divulgação recente do facto de terem desaparecido muitas dezenas, talvez centena e meia de obras de arte (sobretudo pintura e fotografia) que pertenciam à colecção do Estado. “Não estão desaparecidas”, segundo a imortal frase da Ministra da Cultura, “estão por localizar” e “necessitam de localização mais exacta”! Sem falar na evaporação de um raríssimo e único daguerreótipo de Dona Maria II.

Se existe sector ou actividade em que o papel do Estado é relevante e deve ser dominante, é bem o do Património. Ninguém tem as responsabilidades, os recursos, a autoridade, os conhecimentos e a experiência necessários ao estudo, à conservação, ao restauro, à protecção e à divulgação do Património histórico e cultural. Não é, infelizmente, o caso em Portugal. Hoje. Nem ontem. Nem antes.

Com raríssimas excepções, nunca a cultura foi prioritária, nem sequer importante para os governos. Num quadro de miséria programada, nunca o património cultural, em todas as suas formas, foi importante, muito menos prioritário. Nunca o património recebeu recursos financeiros à altura. Todos os anos, inexoravelmente, o património degrada-se a olhos vistos: o tempo, a chuva, os parasitas, os ladrões, as obras selvagens, as visitas, os turistas, os construtores mais apressados e tantos outros inimigos agem sempre mais depressa do que o orçamento de Estado, a Administração Pública, os técnicos, os cientistas e os académicos.

No quadro do debate público, absolutamente prioritária parece ser a cultura geral na escola. A cultura geral é o que mais separa as classes, mais desigualdade provoca, mais talento desperdiça e mais falta faz na preparação profissional, técnica e científica. É o contributo mais indispensável para uma educação humanista. Mas essa é uma prioridade da política de educação.

Na cultura propriamente dita, pela urgência, pela despesa, pelos recursos necessários, pela complexidade, pela importância histórica, pelo contributo para a identidade, pela iminência de abandono, pela ameaça de roubo e pela selvajaria dos “eventos”, é evidente que o património cultural é e deveria ser a prioridade indiscutível. Nunca foi. Por este andar, nunca será. Para mal de nós todos.

Tem-se a certeza de que a política cultural do governo, de quase todos os governos, está influenciada por factores insólitos e por estranhas clientelas. Primeiro, as necessidades de consumo da burguesia chique. Segundo, as elucubrações teóricas dos radicais de esquerda, dos marginais das artes e das minorias étnicas. Terceiro, as expectativas eleitorais de uns tantos autarcas. Finalmente, uns sindicatos de profissionais com ligações ténues à coisa cultural, sobretudo a coisa do espectáculo.

O Ministério da Cultura parece uma agência de eventos, comunicação e emprego. Interessam-lhe as “artes performativas”, mais do que tudo. Preocupa-se com o que dá nas vistas, mais do que com o que faz falta. Inquieta-se com o efémero, a moda, o superficial, quase nunca com o essencial, o difícil, o fundamental e o durável. Interessa-lhe o que é demagógico e passageiro, o que parece encantador e toca a corda fácil da moda dos activistas.

A política de cultura dos governos portugueses distancia-se cada vez mais do que é essencial, a favor do que é fácil. A morosa arqueologia fica para trás. A história, as técnicas e as artes de todas as eras, esquecidas. A formação de artistas e artesãos é menorizada. O que realmente interessa é o consumo, a passadeira vermelha, a inauguração do ministro e o noticiário das oito!

Há décadas que se vive este paradoxo: os governos, os partidos e outros membros das elites políticas defendem a prioridade da cultura e, dentro desta, a prioridade do Património. Mas, no momento da verdade, quando se trata de obter recursos, de prever investimentos e de financiar actividades públicas ou privadas, não só a cultura não é prioritária, como o Património é geralmente secundário. É difícil encontrar uma explicação satisfatória para este fenómeno, que tanto pode ocorrer em anos de dificuldades, como em anos de fartura. O que parece ser a mais adequada explicação é a de que a cultura e o Património dão poucos votos. Além de uma certa concepção filosófica e política que faz da cultura uma actividade supérflua, um sector facultativo e uma despesa luxuosa…

Ora, a cultura é uma prioridade nacional, que se deve traduzir em esforços orçamentais consideráveis, em revisão dos currículos educativos e em investimento na formação profissional. Dentro da cultura, o Património é a grande prioridade, dada a sua urgência, a fragilidade, os perigos que a ameaçam, as exigências técnicas e científicas e o seu valor como identidade e carácter. Esta prioridade ao Património deve ser cumprida com mais atenção do que as artes performativas, a criação contemporânea, o espectáculo e a cultura dos “eventos”. 

Em tempos de sociedade global, de homogeneização dos costumes e de frenesim comercial, são a cultura e o património que melhor nos defendem na nossa singularidade, na identidade histórica, na democracia do presente e na liberdade do futuro.  

Público, 8.1.2022

 

Etiquetas:

6.1.22

Rui Rio, o presidente da ASJP e a politização da Justiça


Por C. B. Esperança

Os sindicatos dos magistrados, em especial o dos juízes (ASJP), corroem a democracia e, talvez, a jurisprudência. A progressiva politização, a exibição do poder e a arrogância dos seus líderes aconselha a extinção. Pura e simples.

O sindicalista Manuel Soares não seria perigoso se não presidisse ao exótico sindicato que critica leis, censura partidos e condena a ingenuidade dos eleitores pelas opções de voto, além de sugerir as leis que deviam ser votadas. A página quinzenal, de que dispõe no Público, é um instrumento ilegítimo do seu poder de coação, de que usa e abusa para interferir na esfera de competência dos poderes legislativo e executivo. Sem pudor.

Desde as ameaças de greves à perseguição a governantes que detesta, a ASJP consegue o que exige, às vezes sob chantagem, e perturba o funcionamento da democracia.

Em 2012 fez queixa ao Ministério Público, na 9.ª secção do DIAP de Lisboa, de todo o 2.º Governo de Sócrates, cerca de 80 cidadãos, entre ministros, secretários de Estado e chefes de gabinete, para averiguação de eventual uso indevido de cartões de crédito. Faria parte da sua agenda política? 

No fim de 6 anos de árduas e onerosas investigações caçaram dois secretários de Estado em que o caso mais mediático foi o de José Magalhães que se “apropriou” de 421,74 € para uso pessoal, na compra de livros. Depois do fracasso, a ASJ exigiu a «remessa da identificação de todos os cartões de crédito e respetivos titulares membros dos gabinetes ministeriais, desde 2007 até 2013». Essa função policial foi vingança ou ameaça?

O presidente do Conselho Superior da Magistratura (CSM), em 2009, considerou que «a ASJP "exponenciou" o caso da avaliação do juiz Rui Teixeira* devido, nomeadamente, às eleições legislativas, porque estavam à porta três eleições quase seguidas: legislativas, para a presidência do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e para o CSM», e escreveu ainda no Editorial do boletim informativo do CSM: 

“[A ASJP] Resolveu entrar em campanha em todas elas, sabendo-se como se sabe que tentar interferir em eleições político-partidárias traz normalmente a prazo efeitos corrosivos que dificilmente se apagarão". O Sr. Dr. Manuel Soares não deve ter lido.

Com vários desembargadores sob suspeita, em que parece estar provada a venalidade na distribuição de processos, levanta as maiores suspeitas a preterição do "Princípio do juiz natural", uma garantia fundamental em processo penal (Art.º 32.º n.º 9 da Constituição da República). Esta situação é de enorme gravidade e desacredita a Justiça. 

Pode ficar a sensação de que os processos contra políticos são “Rangelizados” a pedido.

É nesta fase negra que o sindicalista Manuel Soares, afirma em entrevista ao DN que “ao fim de três anos não se conhece ainda uma única medida proposta pelo PSD para a justiça, tirando a alteração da composição do Conselho Superior do Ministério Público", o que levou Rui Rio a acusar o juiz desembargador Manuel Soares de mentir. E os ataques continuaram numa linguagem a lembrar a disputa interna da liderança no PSD.

Não podemos ter sob suspeita uma Justiça que lança suspeitas sobre a Política e a ASJP é um instrumento que conduz ao pântano a Justiça e a Política. 

* Juiz que prendeu um deputado, que nem chegou a ser acusado, com as câmaras de TV atrás. Apesar de ter cometidos erros graves na investigação (in Acórdão da Relação) já é desembargador e teve os media a segui-lo como estrela do Processo Casa Pia. Destruiu uma carreira política e beneficiou a sua.

Apostila – Se não defendermos os adversários, neste caso, Rui Rio, somos cúmplices do desaforo de um juiz travestido de sindicalista ou vice-versa e da politização da Justiça.

Ponte EuropaSorumbático


Etiquetas:

5.1.22

Hoje, 17.º Aniversário do "Sorumbático"

Etiquetas:

No "Correio de Lagos" de Dezembro de 2021


Em Março de 2015
pedia-se, nesta página, que a autarquia providenciasse a remoção do gatafunho que a imagem da esquerda documenta pois, como lá se escrevia, para indignidade já bastava o Infante ter sido arredado do centro da praça. Ora, quando reproduzimos esse apelo numa das redes sociais de Lagos, recebemos os inevitáveis insultos, entre os quais o previsível “Porque não vão vocês limpar?!”. Pois bem, foi isso mesmo que tentámos fazer (com recurso a uma robusta esponja e a diversos diluentes!), mas não fomos bem-sucedidos, facto de que demos conta no mesmo local.

Mas a saga não ficou por aí pois, a certa altura, alguém da própria CML comentou, em tom lamentoso: “Ah!, se vocês soubessem quanto custa fazer esse trabalho...!”. Então, e reconhecendo que tinha toda a razão, contactámos uma empresa especializada que nos enviou um orçamento de € 400. Tínhamos chegado a pensar pagar do nosso bolso, mas pareceu-nos demasiado caro, mesmo tendo em conta a personagem em causa; no entanto, se houvesse mais gatafunhos a limpar, o preço seria certamente bem mais aceitável — embora o ideal fosse que víssemos a legislação a ser aplicada, pois ela prevê que os “artistas” paguem coimas que podem atingir € 25 000. Mas o certo é que, dois meses depois, a limpeza lá foi feita — o que aqui saudámos, como era nossa obrigação.
Ora, eis que, já recentemente, o nosso Infante foi brindado com o que à direita se vê, onde sobressai o brasileirismo “mídia” (deturpação de “media”, do latim, plural de “medium”) e a manifesta incapacidade de o escrevinhador seguir as linhas que o plinto já prevê para quem ali quiser exercitar a caligrafia. No entanto, parece que quem fez a limpeza se cansou depressa pois, à data em que escrevemos, não faltam nas redondezas outras inscrições, e bem maiores.

NOTA: Por falta de espaço, estas últimas, de manifesto interesse pedagógico (porque evidenciam até onde pode chegar a degradação impune do nosso espaço público), serão divulgadas em redes sociais de Lagos. Esperemos que, nessa altura, já possamos acrescentar um “de saudar”, referente à limpeza que se impõe. 

Etiquetas: ,

3.1.22

No "Correio de Lagos" de Dezembro de 2021

 

Etiquetas: ,