31.5.14

Não é tempo de boa gente sentir?

Por Ferreira Fernandes 
Meriam Ibrahim já pode ser enforcada. Na sua infinita misericórdia, as autoridades sudanesas esperaram que ela parisse, o que aconteceu há dias, para poderem prosseguir, enfim, com a justiça. A justiça islâmica ditara que Meriam devia morrer por ter abandonado a religião islâmica e insistir em ser cristã. As autoridades dizem que ela, filha de muçulmano, é muçulmana. Pode dizer-se: fraco entendimento têm as autoridades sudaneses sobre a fé de um indivíduo para depositar a fé dele no acaso da fé de outro. Mas, para já, não se trata de um indivíduo, como já devem ter-se dado conta com a notícia do parto. É uma indivídua. Se vamos começar a discutir o livre arbítrio de uma indivídua... Num truque de advogados, Meriam diz que nunca foi muçulmana, que o pai, sim, mas abandonou-a e ela foi educada na fé cristã da sua mãe etíope. Uma coisa engraçada com todas as inquisições é porem as vítimas a sentir-se obrigadas a desculpas tolas. Um juiz barbudo diz "tu tens de te coçar porque o teu pai teve comichão" e em vez de se poder responder "meritíssimo, vá dar banho ao cão", uma Meriam tem de se justificar... Se fosse do Cascalhense FC e os sócios do meu clube, em nome do meu clube, tratassem assim uma transeunte, eu andaria com a foto desta ao peito. Como os juízes do Sudão são homens, digo aqui, para me limpar de tal companhia, que Meriam é das minhas. Não haverá em Portugal quem, até mais próximo dos juízes do Sudão, faça o mesmo? 
«DN» de 31 Mai 14

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A tremenda derrota do (des)Governo

Por Antunes Ferreira
As eleições para o Parlamento Europeu tiveram os resultados que tiveram, já mereceram a maior (exagerada?) atenção dos comentadores políticos, mas, indubitavelmente a vitória do Partido Socialista foi o me mais motivou os especialistas – sabe-se lá de quê, embora todos digam que o são politicamente – a emitirem as respectivas opiniões, autoconsideradas as mais correctas e esclarecedoras.
Mas, sem margem para dúvidas, desde logo um ponto suscitou as críticas mais azedas dos fazedores de opinião (temos de começar a substituir denominações e expressões tais como opinion makers): a euforia de Francisco Assis, imediatamente após terem sido conhecidas as primeiras projecções dos resultados, que foi acompanhada pelo secretário nacional do PS, António José Seguro. (...)
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30.5.14

Pergunta de algibeira

Se 3 gatos demoram 3 minutos para apanharem 3 ratos, quantos gatos são precisos para se apanharem 99 ratos em 99 minutos?
Actualização: a resposta certa já está dada em comentário.

Os ucranianos mortos são todos eurocéticos

Por Ferreira Fernandes 
A Europa procura com contas de merceeiro quem será o seu próximo presidente, que será quem quer que seja, mas pouco. E, entretanto, em noticiário só de pequenas linhas, a guerra civil instala-se na Ucrânia. É a Jugoslávia Parte II. Ainda não tão emocionante mas lá chegaremos, as imagens da anarquia em Donetsk, homens musculados e loiras de camuflado, confirmarão que as guerras civis mais populares no prime-time são das terras com gente bonita. Espetáculo que deveria envergonhar-nos porque a tragédia, a poucas semanas da magna tragédia que vai ser, é também culpa nossa. Dessa, dita em cima, falta de Europa. Se nos tivéssemos ocupado menos com as medidas das sanitas e mais com o tamanho e a profundidade da Europa, não tínhamos chegado aqui. Era claro que não devíamos ter acirrado a Ucrânia contra a Rússia. Devíamos, se fôssemos europeus, ter pensado Ucrânia e Rússia. E porque éramos os menos envolvidos deveríamos ter sido os que agiram de cabeça fria. Chama-se política, que é coisa que devia ser entregue só a grandes, não a amanuenses de geoestratégia. Em 1959, ainda a URSS tinha 30 anos para viver, De Gaulle definiu o nosso espaço numa frase: "Do Atlântico aos Urais." Ele percebeu, quando ainda só se podia adivinhar, que a Rússia é nossa ou somos pouco. Hoje, com ela aí, a Europa tratou-a como inimiga e, cobardemente, por interposto e fraco país. Ucrânia, mais um dano colateral da falta de Europa.
«DN» de 30 Mai 14

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Costa e o sobressalto do PS profundo

Por José António Lima 
Na noite eleitoral de domingo, o PS interiorizou a convicção de que nunca chegaria ao poder com a liderança de António José Seguro. 
Se, após três anos de austeridade e nas mais adversas circunstâncias sociais e eleitorais sentidas por um Governo, o PS apenas atingia 31,5% dos votos e mal se distanciava (menos de quatro pontos) da desgastada coligação no poder, isso só podia demonstrar uma evidência: em 2015, nas legislativas, Seguro não chegaria lá.
Foi este sentimento de frustração partidária e inconformismo das bases socialistas que empurrou António Costa, de vez, para se candidatar à liderança do partido. E a verdade é que Costa, com todas as suas qualidades e defeitos (como a sua conivência com os piores abusos e despesismos do socratismo), vem trazer outra dinâmica política e outra energia partidária ao PS. E à própria vida política do país, que parecia ter caído num beco de minorias sem saídas. 
É certo que Seguro se rodeou, estatutária e formalmente, de precauções que dificultam Congressos antes das legislativas que o possam remover da liderança. Mas o sobressalto que o resultado das europeias provocou no PS profundo – dos militantes ao aparelho das distritais – fala mais alto do que essas formalidades. E já tem um novo líder: António Costa. Também em política, o que tem que ser tem muita força.
«Sol-online» - 27 Mai 14

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29.5.14

No meu Luxemburgo ninguém toca

Por Ferreira Fernandes 
Barack Obama falou para os futuros oficiais, em West Point, lembrando-lhes que serão os primeiros, desde o 11 de Setembro, a não ir combater no Iraque ou no Afeganistão. Não fez um discurso de abandono da liderança americana no mundo, prometeu não ficar indiferente à evolução das guerras civis na Síria, Ucrânia e República Centro-Africana... Mas o importante, como sempre nos discursos de Obama, é encontrar a frase que resume tudo. E essa, ontem, foi: "Lá por termos o melhor martelo não quer dizer que cada problema seja um prego." Como traduziu o Wall Street Journal, a América vai passar a "deslocalizar" as suas intervenções militares. Que sejam os outros a produzir mortos nas zonas de combate, tal como são os bengalis que produzem camisas em prédios sem bocas de incêndio. Em vez de mandar contingentes de marines, a CIA irá preparar guerrilheiros locais, nomeadamente na Síria. Para quem tem memória de um quarto de século, e sabe como correu a preparação dos "aliados do Ocidente" no Afeganistão, entre eles um tal Osama bin Laden, a "nova" tática é dúbia. Mas, oiçam, a América deixou de ser o guarda-chuva para o resto do mundo que gostava e aceitava abrigar-se nele. E é por isso que, além dos milhares de militares alinhados frente a Obama, deveriam ouvir a mensagem os 751 novos eurodeputados, desalinhados. Parece que há desta vez um máximo de eurocéticos, cerca de 140. Pois continuem a preocupar-se só com o quintal de cada um...
«DN» de 29 Mai 14

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A primeira multa e a esquadra de Santa Marta (Crónica)

Por C. Barroco Esperança
Em 1970, regressado da guerra colonial, retomei a docência na escola n.º 44, ao cimo da rua da Beneficência, onde tinha sido colocado, por procuração, para estar próximo da faculdade de Direito de Lisboa que, antes da guerra, tinha intenção de frequentar.
O vencimento escasso, razão que me levou a abandonar a função pública, obrigou-me a dar aulas de manhã, a trabalhar como agente comercial, à tarde, e a esquecer o curso. (...)
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28.5.14

E se o PS insistir, olhem, paciência...

Por Ferreira Fernandes 
O espanhol PP, no poder, teve um péssimo resultado. Mas não se demitiu. O mesmo aconteceu com o PS francês. Nem o espanhol Rajoy nem o francês Hollande foram aconselhados a sair. É, há países em que o trabalho das legislativas não se confunde com o conhaque das europeias (ou vice-versa). Porém, qualquer eleição deve ser considerada como um teste. Afinal, é sempre uma extraordinária sondagem que ausculta milhões de pessoas. É por isso que, ao ter maus resultados, o líder espanhol da oposição, o socialista Rubalcaba, se demitiu. O falhanço nas europeias augurava um fracasso certo nas próximas legislativas e Rubalcaba tinha a obrigação, com o seu partido, de lhe dar oportunidade de encontrar líder melhor. Sintomaticamente, aconteceu o mesmo em França: também se demitiu o líder da oposição, Jean-François Copé, porque o UMP teve uma má votação, apesar de ter estado melhor que os socialistas do Governo. Perdedores, Rajoy e Hollande ficam porque têm um contrato com o seu país. Perdedores, Rubalcaba e Copé demitem-se porque, não tendo esse contrato, cada um deles tem um dever com o seu partido. Passos, continuando, não engana os portugueses (é só tolo se não ouvir o aviso que eles lhe deram). Já Seguro, não indo embora, engana os socialistas. A única alternativa decente é arrastar o PS nessa irresponsabilidade. Ir a um congresso e dizer: "Agora que me conhecem como fraco líder, insistem mesmo em mim?" E se o PS insistir, olhem, paciência.
«DN» de 28 Mai 14

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Apontamentos de Lisboa

E agora?

Por Baptista-Bastos
Era presumível, depois da baixa notação das eleições, que António José Seguro tivesse o destino marcado. Mas não era previsível que o bota-abaixo ocorresse a escassas horas da minguada vitória. A verdade é que Seguro não era o homem indicado para as circunstâncias. António Costa sê-lo-á? É uma escolha evidente, e ele próprio manifestou reservas quanto ao resultado da votação e não entrou na pública ufania de Seguro. A estocada final foi desferida por Mário Soares (ontem, em artigo publicado no DN), que não leva desaforo para casa, e fora deliberadamente ignorado pelo pobre secretário-geral, cuja imprevidência, neste e em outros casos, roça a infantilidade.
As eleições para as europeias constituem uma espécie de "primárias" das legislativas, destinadas, historicamente, a tomar o pulso à situação. A direita cá do sítio sofreu um abanão e os semblantes dos seus mais distintos expressavam a dor dos sentidos afectados. Porém, os quatro pontos que separam o PS da Aliança Portugal não podiam deixar de desassossegar quem se interessa pelas regras da arte. No interior do próprio partido ganhador, a bonança não criou morada. E tornou-se cada vez mais evidente que Seguro não era o homem adequado à situação, tanto mais sabendo-se que a coligação já começou a preparar a contra-ofensiva.
Ante esta conjuntura problemática e a ambiguidade sem expectativa, a vitória de Marinho e Pinto e a queda do Bloco não são de estranhar. Ambos representam epifenómenos comuns a um desespero institucional que procura salvação. O Bloco perdeu porque talvez houvesse claudicado na sua genuinidade inicial, e Marinho e Pinto ganhou ao encarnar essa genuinidade perdida. A CDU sobe, embora cercada por uma imprensa desfavorável e por uma televisão que quase a ignora, minimizando deliberadamente uma voz que possui a força de uma filosofia, uma doutrina e uma convicção imprescindíveis pela sua própria história. Além de caracterizar quase dois milhões de militantes, adeptos e simpatizantes.
Ante tudo isto, os "barões" do PS ergueram sombras ao que Seguro queria fazer no partido. A escolha de Assis não foi muito bem aceite entre os socialistas mais "à esquerda", porque ele designa a continuidade de uma política de subserviência aos "mercados", e pouco ou nada difere das orientações proclamadas pela direita europeia.
A experiência democrática, trabalhada pela incerteza dos seus actuais dirigentes e pela inextrincável ignorância dos que dizem representá-la nos diversos parlamentos, está a conduzir o mundo a uma irrefragável desgraça. O ovo da serpente foi reanimado e a deputada Ana Gomes não escondeu, no programa Prós e Contras, o horror que eventualmente nos espera. A queda de Seguro pode ser um sinal moderador. Mas a Europa? Tudo nos conduz ao desespero.
«DN» de 28 Mai 14

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27.5.14

Apontamentos de Lisboa

Estação Roma-Areeiro
Numa altura de crise (em que os transportes públicos deviam ser acarinhados), e quando tanto se fala de empresas deficitárias, admite-se que se dificulte uma coisa tão básica como comprar o bilhete?!

Líder Seguro, nem uma coisa nem outra

Por Ferreira Fernandes 
Então, temos uma moção de censura ao Governo. Vocês sabem, aquele Governo que no domingo passado teve uma derrota eleitoral. A próxima vez que ele for a votos, o que será em breve com a tal moção de censura, o Governo ganha. Naturalmente, porque no Parlamento os partidos que apoiam o Governo têm maioria. Quer dizer, a moção de censura servirá para fazer esquecer a derrota recente. Pergunta-se: portanto, a moção de censura, que pretende ser de protesto e vai ter efeito contrário, é tola? Resposta: não é, porque a moção é posta pelo PCP. Ao PCP é irrelevante que a moção passe ou não. A política do PCP não é determinada pela queda dos governos, o PCP vive do seu fundo de comércio que é continuar à margem como o protestador mor. Ele apresenta esta moção, que sabe condenada, não para pôr em causa o Governo mas para entalar o PS. Até aqui, pois, a notícia da moção de censura tem pouca importância, mas está dentro da lógica das coisas. Aqui chegados, passou-se a uma nova situação: ontem, António José Seguro disse que iria votar a moção do PCP, apesar de ser "um claro frete ao Governo." Isto já não é joguinho, é tolice da grossa. O PS, que quer ser a oposição ao Governo, aceita ser acólito de uma iniciativa em que ele próprio não crê e que serve o adversário... António José Seguro não sabe, perante o aviso dos seus resultados eleitorais pífios, reagir com força e inteligência. E nele isso é um caso irremediável: vê-se na cara.
«DN» de 27 Mai 14

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26.5.14

Parabéns...

...ao cartunista Rodrigo de Matos, colaborador do Expresso e autor-convidado do Sorumbático, por ter vencido o Grande Prémio Press Cartoon Europe 2014!
Ler mais [aqui].

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Um povo que merecia melhores líderes

Por Ferreira Fernandes 
Se os juros pedidos aos países não fossem baseados na tanga, Portugal, depois do dia eleitoral, deveria ter hoje banqueiros à porta - e não seria para resgatar dívidas mas a emprestar dinheiro. A custo zero, ou quase. Já tenho idade suficiente (tenho mais de três anos, vivi os bombardeamentos de 2011: "Chiu, não assustes os mercados...") para saber medir a nossa condição: Portugal é o país social e politicamente menos assustador da Europa. Não digo que isso seja bom em tudo (tanta calmaria também atrai líderes xoninhas, de olhos baços e bananas), mas em matéria de juros, merecia tê--los baixos. Ponto. Sobretudo quando à volta é o estilhaçar da Europa: no Reino Unido a surpresa é o UKIP que quer sair da UE, em França a sulfurosa FN ganha, na Grécia são vedetas o esquerdista Syriza e a extrema-direita Aurora Dourada, populistas austríacos e caceteiros húngaros marcam, é eleito um grupo de alemães anti-UE e, talvez, um eurodeputado neoazi, os espanhóis PSOE e PP afundam... Arraial doido enquanto os portugueses não se deixam iludir com sereias e insistem em não votar com a cabeça quente. Não é fidelidade, coisa de lacaios, é prudência, qualidade hoje rara nos povos. E se há povo que tenha sido sujeito a governos sem soluções e oposições sem alternativas, é este. Sujeito, pagando com dor e raiva - mas sem desespero, como ontem mais uma vez mostrou. Que sorte, que desmerecida sorte, têm estes partidos e líderes do centrão. 
«DN» de 26 Mai 14

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25.5.14

Apontamentos de Lisboa

Gatafunhos e sem-abrigo na passagem coberta da estação de Metro do Campo Grande

Mafaldinha, a comentadora

Por Ferreira Fernandes 
A semana foi também de Quino, o cartunista argentino que ganhou o prestigiado Prémio Príncipe das Astúrias. Ele é o "pai" de Mafalda, uma garota que há 50 anos se pôs a olhar o mundo e a dizer coisas simples e pertinentes. A banda desenhada de Mafalda estreou-se em 1964 e acabou em 1973. O mundo de então parece datado, apanhou a meio o Maio de 68. Mas valia a pena revisitá-lo ontem, dia de reflexão. Mafalda surpreende, afinal, pela atualidade. Há um cartoon em que a menina ouve no rádio: "O Papa fez uma chamada à paz..." Ao que ela responde: "E deu ocupado como sempre, não é?", como diria ontem, porque o Papa Francisco fez a mesma "chamada", infrutífera, na visita ao Próximo Oriente. Em outro cartoon tão atual, a menina inventa que é Presidente. A mãe diz-lhe: "Mafalda, apanha a roupa que deixaste no chão!" Ao que ela responde: "Não tenho de obedecer a ninguém, mamã, eu sou o Presidente!" E a mãe, com argumento tão moderno tantas décadas depois: "E eu sou o Banco Mundial e o FMI!"... Mas o que eu mais gosto é do cartoon inicial de Mafalda, o primeiro publicado. Ela comove-se com a mãe que lhe parece triste por ela ir pela primeira vez para a escola: "Sabes, mãe? Quero ir para o jardim-escola, estudar muito, ir para a universidade e não ser uma mulher frustrada como tu..." A menina julga que animou a mãe... É tão pungente o otimismo da geração de Mafalda, que pensava ter o mundo na mão, e não tinha. Quino era cínico e lúcido. 
«DN» 25 Mai 14

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Luz - Telemóveis fixos, Bogotá, Colômbia

Fotografias de António Barreto- APPh

Clicar na imagem para a ampliar
Outra imagem desta maravilhosa invenção de “cabines” de “telemóveis fixos”. (2003).

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ALTERAÇÃO DAS ROCHAS (1)

Por A. M. Galopim de Carvalho
QUANDO expostas aos agentes atmosféricos e às condições de pressão e temperatura próprias da superfície do planeta, as rochas, em especial as geradas em profundidade, sofrem modificações menos ou mais profundas, num processo que recebeu o nome de alteração meteórica ou meteorização, considerado uma fase do ciclo geoquímico da litosfera, como lembrou o professor Bastos de Macedo, em 1988. Esta fase é, pois, a que tem lugar à superfície da Terra, reiniciando esse mesmo ciclo usualmente referido por ciclo petrogenético.
Do ponto de vista prático, pode afirmar-se que não haveria solo, nem plantas, nem animais, sobre as terras emersas, se não houvesse alteração das rochas. (...)
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24.5.14

O fado (também) mora em Goa

Por Antunes Ferreira 
ESTAVA EU a menos de uma semana da partida para Lisboa, deixando o Paraíso em que vivera nos quatro meses da estadia, embalando as trouxas, quando aconteceram os 40 anos do libertário 25 de Abril. A Fundação Oriente resolvera assinalá-lo com um espectáculo de fado, sob a orientação do arquitecto Khol de Carvalho, seu delegado em Pangim. Era apoiada pelas seguintes instituições: Semana de Cultura Indo-Portuguesa, Cidade de Goa e Instituto Camões. Actuaria a fadista Cláudia Duarte no salão nobre do Menezes de Braganza Institute, o anterior Instituto Vasco da Gama no tempo dos Portugueses. Logo à entrada um deslumbramento: os painéis de azulejo azul e branco. Sobre a viagem do navegador português que pela primeira vez na História do Mundo fez a viagem Lisboa-Calecute pelo mar. Os indianos mantiveram-nos, o que não admira num país onde as artes são uma constante, desde os templos magníficos até aos quadros polícromos onde os homens do Sul, mais morenos, são pintados a azul. Para um Português, os azulejos são uma maravilha.(...)
Texto integral [aqui]

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História para contar ao intervalo

Por Ferreira Fernandes 
Disse o espanhol Filipe II, ao tornar-se Filipe I de Portugal: "Portugal é meu porque o herdei, porque o paguei e porque o conquistei." Foi em 1580. Hoje, se pagar pagam todos os 120 mil espanhóis entrando em Lisboa, nem todos podem conquistar a Catedral. A nobreza entra, os sem bilhetes, não. Mas quem é esse Filipe? Para perceberem com conceitos modernos, era uma espécie de Jorge Mendes do antigamente, que ficou, ao juntar os dois lados de Tordesilhas, senhor de um mundo onde o Sol nunca se punha. Tal como o citado Mendes é hoje o senhor dos passes dos do Real (Cristiano Ronaldo, Pepe, Coentrão e Di María) e do Atlético (Diego Costa, Miranda, Tiago e Adrián), onde os holofotes nunca se apagam. Esse Filipe que foi rei de Espanha e de Portugal, foi também rei de Inglaterra pelo casamento com Maria Tudor, e foi rei de quase toda a Itália, incluindo Milão. Se repararem, um percurso bastante parecido ao de José Mourinho, o de Setúbal (sobre a qual marchara quase meio milénio antes, o duque de Alba para conquistar o Alentejo para o citado Filipe). São dados avulsos, que vos sirvo grátis, para animar no café a conversa com nuestros hermanos mais infelizes e sem bilhete. Entre uma e outra imperial (seja hospitaleiro, diga caña), promova esse Filipe de II a I, lembre que ele é filho de Isabel de Portugal e desminta o jornal ABC. Dizia este, ontem: "Madrid, capital del fútbol." Mostre-lhe as ruas: "Es Lisboa, coño!" 
«DN» de 24 mai 14

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Apontamentos de Lisboa

23.5.14

Pérolas de história que desperdiçamos

Por Ferreira Fernandes 
A revista brasileira Veja dedica a capa a Cristiano Ronaldo. Chama-lhe "o melhor jogador do mundo" e lembra a "arrogância" dele. Para pedras, é um magnífico pedestal. A Veja cita um historiador dizendo do jogador: "Ele é o homem que os portugueses raramente conseguem ser: ótimo profissional e dono do próprio nariz." E o historiador insiste: "Contrasta com o traço comum de submissão deste país." Vocês não queriam só elogios, pois não? Afinal, a revista é brasileira e o português (aquele futebolista) vai lá chegar como adversário. Em todo o caso, voltemos à generalização do português que não consegue ser (com a rara exceção do CR7) bom de bola e soberbo. É uma generalização, que como a rosa que é rosa é uma generalização. Nem vou alargar o campo de pesquisa para procurar portugueses ótimos. Fico mesmo só no futebol. E, aí, fecho ainda mais o ângulo de pesquisa: portugueses no futebol, e no futebol brasileiro. Então, aí vai. Em 1923, o Vasco da Gama, o clube dos comerciantes lusos, ganhou o campeonato do Rio. Os clubes da elite não gostaram porque havia negros na equipa. Convidaram o Vasco a mandar embora os crioulos. Mas a direção do Vasco disse: "Então, não jogamos!" E não jogaram. Quem sabe se esse traço português de não submissão não apressou os ótimos e soberbos Pelé, Didi e Djalma Santos, em 1958? Estes não são portugueses, eu sei. O meu ponto é outro: sem o Vasco de 1923, esses campeões mundiais não se teriam atrasado?
«DN» de 23 Mai 14

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22.5.14

?

O poder não cumpre as leis

Por Maria Filomena Mónica
POR SABER que a agonia nem sempre é indolor, há uns anos comecei a preocupar-me com a forma como serei tratada no final da vida. Esta semana fui entrevistada pela RTP, a fim de responder a algumas perguntas sobre o meu livro «A Morte». Lembrava-me que, há dois anos, lera qualquer coisa sobre a legislação relativa ao testamento vital. Fui conferir. De facto, a 16 de Julho, o Parlamento tinha aprovado uma lei, a 25/2012, regulando as «directivas antecipadas de vontade, designadamente sob a forma de testamento vital e a nomeação de procurador de cuidados de saúde», tendo, em simultâneo criado «o Registo Nacional do Testamento Vital (RENTEV)». No capítulo V, relativo às Disposições Finais, declarava-se ter o governo a obrigação de regulamentar a lei no prazo de 6 meses. Esperava que o Executivo tivesse cumprido o seu dever, estando já tudo legalizado ou, caso contrário, que o Parlamento tivesse chamado à pedra os governantes. Nem uma coisa nem outra.

Além de importante per se, este caso ilustra a forma como as leis são tratadas em Portugal. Depois de terem dormitado no hemiciclo, uma vez em casa os deputados descansam. Ora, sem a regulamentação da lei nº 25/2012 não podemos redigir a «directiva antecipada de vontade», nem esta ser introduzida no sistema informático que permite aos hospitais saber se o doente que acolheram redigiu ou não um testamento vital. Consultados alguns juristas, informaram-me placidamente

que, em geral, os governos não cumprem os prazos para a regulamentação das leis. Quem estivesse moribundo durante estes últimos 22 meses – entre a promulgação da lei e a sua actual regulamentação - que aguardasse.

Infelizmente, tenho de lembrar o óbvio. O Parlamento não serve apenas para elaborar leis, mas para vigiar as acções – neste caso inacções – do Executivo. Quando, como é o caso, o problema é complexo, fica tudo em banho-maria. Está no Diário da República, não está? O resto pouco interessa. Designados pelos secretários gerais, com a cumplicidade de um eleitorado que apenas sai de casa «para botar o papel», os deputados estão no hemiciclo como num emprego: assinam o ponto como fossem funcionários públicos, entram e saiem da sala ao ritmo da sineta, levantam-se e sentam-se conforme as ordens do chefe.

Quanto ao governo, não estamos melhor servidos. Afirma o Dr. Henrique Martins, presidente dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) - os nomes e acrónimos que eles inventam! -  terem existido «dificuldades técnicas». Se isso é verdade, deveriam tê-lo previsto. Há uma frase de Platão que não me sai da cabeça: «Um povo digno não carece de leis que lhe digam como agir responsavelmente, ao passo que um povo indigno encontrará sempre maneira de as contornar». É por sermos como somos que nos tornámos especialistas no desenrascanço. Muitos portugueses gostam do diagnóstico; eu não. O que acabo de escrever não é um ataque à democracia representativa, mas a sua defesa.
«Expresso» de 17 Mai 14

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O que será uma urso? Será que a Ursa Maior passou a ser Urso-Fêmea-Maior? De facto é insólito, como se diz no título...

De Adolfo Luxúria Canibal ao Palito

Por Ferreira Fernandes 
Um tipo dialético, com nome de tremer, Adolfo Luxúria Canibal, e cara de Boticário, hidratante facial, gel e um niquinho de Malbec Balm, está a lançar um álbum e não o faz com mão morta mas aos tiros. Voz gutural, mas não confundir com a das tias de Cascais, o arranhado no nosso homem é de indignação social. Diz-nos no álbum e no vídeo: "Pelo Meu Relógio São Horas de Matar." Se não percebem, ele ilustra no vídeo com a canção ao fundo. "Matar. Matar. Matar", diz em mimoso verso. É essa "a resposta poética à crise", diz também. E o nosso Adolfo, de pistola em punho, mata numa luxúria que se farta. À porta do BPN, do Parlamento, de Belém, de igreja e de tribunal, mata disparando. Reparem: mata atores fazendo de um talvez banqueiro, um talvez deputado, um talvez padre e um talvez juiz, que caem ensanguentados. Nos talvez, o nosso Canibal é certeiro. No vídeo também aparecem ministros antigos e atuais e um presidente, todos reconhecíveis, e aí também o nosso desesperado mete a bala na câmara. Mas não o vemos a disparar... Perceberam? Adolfo, além de usar bálsamos também usa advogados. Ele incita, mas na hora de problemas legais, finta: "Acho muito abusivo alguém pensar que é um apelo à violência", diz. Claro, claro. Olha, faz-me lembrar o indignado Palito. Tiros em mulheres desarmadas. Ontem, na hora de ser preso, armado, não ofereceu resistência... Se fosse cantor chamava-se Inocêncio Candura Vegetariano. Sonsos, os dois.
«DN» de 22 Mai 14

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As eleições europeias e a política nacional

Por C. Barroco Esperança
Sou dos que acreditam que não podemos viver sem a Europa nem esta sem Portugal. Os que veem na UE a causa de todos os males esqueceram depressa o que lhe devemos, o país «orgulhosamente só», saído da ditadura, da guerra colonial e do atraso ancestral.
Os que veem a Europa acriticamente, como mero pretexto para a conquista do poder e a satisfação das suas ambições, são incapazes de tentar corrigir-lhe a deriva nacionalista e prevenir os demónios totalitários que despertaram. A diplomacia comum e uma política de defesa integrada são instrumentos de coesão de um espaço que se desagrega, se para, e regressa às lutas intestinas, se teme avançar. (...)
Texto integral [aqui]

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21.5.14

Visita ao país que luta rebaixando-se

Por Ferreira Fernandes 
Estrangeiro que chegue a aeroporto português recebe um papel. Quem lho dá tem colete, onde, em letras pequenas, se diz "sindicato nacional da" e, em letras grandes, "POLÍCIA". "Já tenho multa?", espanta-se o visitante. Mas não, o do papel não é uma autoridade. É alguém que está ali para precisamente desautorizar-se: sou autoridade, mas pouco. Diz o papel: 
1) "Os agentes da PSP estão desmotivados", e 
2) "Um trabalhador desmotivado não produz tanto como um trabalhador motivado". 
Estranha forma de luta! Se não entendem a minha exclamação, prossigo o absurdo. No táxi, o motorista ainda antes de se meter à estrada diz ao turista: "Ganho pouco, nem me apetece parar no próximo sinal vermelho. Não estou motivado..." 
O turista vai ao restaurante e o cozinheiro avisa-o: "Se fosse a si não escolhia o cherne. Não me deu gostinho nenhum cozê-lo." 
Na casa de fados, a fadista puxa o xaile com fastio, encolhe os ombros ao guitarrista e anuncia que não cantará até que a voz lhe doa: "Aliás, só canto um fado e mesmo esse a despachar." 
À saída, o turista é assaltado e confirma o papelucho do aeroporto. "Senhor guarda, fui assaltado!", e o polícia, encostado à parede e a cortar as unhas, toma conta da ocorrência assim: "E foi muito assaltado?" 
Ao visitante deste país desmotivado só lhe apetece ir embora. Mas não vai. O que agora ele mais teme é ver, ao entrar no avião, o piloto surpreso: "Você aceita mesmo voar com um piloto como eu?!"
«DN» de 21 Mai 14

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O Gageiro da nossa História

Por Baptista-Bastos
Um programador insensível e néscio fez projectar, para domingo último, às 22 e 20, no segundo canal da RTP, um admirável documentário de António-Pedro Vasconcelos sobre Eduardo Gageiro. Nesse mesmo tempo, a SIC exibia os Globos de Ouro, e comentadores preocupados discreteavam, filosoficamente, sobre a Taça de Portugal. Para quem ignora, para quem não quer saber, para os ressentidos e despeitados, Eduardo Gageiro é um dos maiores repórteres-fotográficos do mundo, cuja sensibilidade vive a par de um carácter amiúde combativo porque decente e asseado. António-Pedro viu muito bem a natureza rara deste grande artista, e conseguiu pô-lo a falar com límpida transparência, fornecendo-nos, e outros deponentes, a grandeza de um homem que, através da fotografia, tem revelado, como nenhum outro, a História de Portugal das seis últimas décadas. E que História! Eis a dor, o sofrimento, a fome e a miséria, a morte sem remorso nem remissa de um povo amado, comovidamente amado, por uma câmara que escolhe, selecciona, toma partido nítido e sem reserva pelos pés-descalços. É o Portugal que há, a pátria que temos e que Gageiro, com muitos mais, quis transformar. Tristemente, no final do documentário, diz: e chegámos a isto! O encontro de Vasconcelos com Gageiro é um momento extraordinário da nossa vida moral e cultural. O cineasta, não o esqueçamos!, é um intelectual extremamente culto (stendhaliano de mão diurna e mão nocturna), e as relações que estabelece entre a obra de Gageiro e a literatura e o cinema não são inócuas. Por exemplo: na parte final, quando o fotógrafo fala da doença que o assaltou e das imagens palustres que fixou, como se dissesse adeus à vida, as semelhanças entre o Tarkovsi de "Nostalghia" não são referências fortuitas. Essa correspondência faz parte de toda a obra de António-Pedro, e recordou-me o belíssimo documento que filmou, há muitos anos, sobre Lopes-Graça, ou o "Jaime", o melhor filme português de infância já realizado em Portugal; ou o "Aqui d"El Rei!", cuja discreta ironia passou, lamentavelmente, despercebida.
"Eduardo Gageiro: Um Século Ilustrado" era para ser exibido em 25 de Abril, e condizia com um projecto de documentários sobre portugueses ilustres, que António-Pedro se propusera realizar. Ficou no cesto. Os donos dos nossos destinos preferem a aldeia endomingada, com Nossa Senhora a protegê-la da insídia dos que pensam, do que os sobressaltos da imaginação dos que opõem a razão e o talento à treva.
Mas o que importa é que continua a haver pessoas como o Gageiro e o António-Pedro, mais alguns outros, que enfrentam os adamastores de todos os medos. A memória faz parte desse combate. E este documentário faz parte dessa memória. Ao falar de Gageiro, António-Pedro fala de Portugal.
«DN» de 21 Mai 14

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20.5.14

E domestica crianças rebeldes?

Declaração de voto

Por Ferreira Fernandes 
Porta dos Fundos é um site brasileiro de humor na internet (*) que descobriu o seu negócio. Admiro gente que faz onde os outros desconseguem. Por exemplo, os jornais, não só os portugueses, andam à procura da rolha. Ir pela net é inevitável, mas como fazê-lo de forma rentável? Ainda ninguém sabe. Até o The New York Times não sabe, a diretora acaba de cair por isso. O mais difícil foi conseguido, o jornalismo foi inventado para a internet, com ela ele é mais rápido, mais bonito, mais completo. Mas porque ainda não se sabe como fazer pagar a evolução, o novo jornalismo patina. É como se o automóvel fosse inventado meio século antes das estradas. Aí, entra o Porta dos Fundos, com um desafio - certo, mais fácil - que venceu. Fez vídeos de humor, meteu-os no YouTube e parecia que trabalhavam só para aquecer. Mas eram tão bons, tão bons, que viraram peito de CR7, bom de colar anúncios. E, agora, o Porta dos Fundos vive das visualizações que tem. Mas isso é negócio, que não é a minha praia. Como é que o Porta dos Fundos é tão bom?, isso já me interessa. Acho que são bons porque dão lições de vida. Como naquele vídeo em que um casal fala no café, ele pede uma cola e a empregada diz: "Essa não tem. Pode ser Pepsi?" E o rapaz faz uma careta de desdém, não mais, e volta a falar com a namorada. Arraso é isso. Iluminou-me para domingo. Na mesa de voto peço um partido decente. Se me disserem: "Esse não tem. Pode ser...?", desprezo o remedeio. 
«DN» de 27 Mai 14
(*) - Ver, p.ex., [aqui].

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19.5.14

Oferecem-se...


 ...pelos custos de envio (a menos que sejam entregues por mão), estes 165 exemplares da revista Science & Vie (entre o nº 855 - Dez. 1988 - e o nº 1051 - Abr 2005), e ainda alguns números trimestrais e hors série. Serão entregues ao primeiro leitor que enviar um e-mail para medina.ribeiro@gmail.com
Actualização (22 Mai 14): pronto, já têm dono.

Seguro não aumentará impostos

Por Ferreira Fernandes 
O cronista brasileiro Luis Fernando Veríssimo diz que as mensagens estão cada vez mais explícitas mas cada vez mais sem sentido. Paulina, mulher antiga, explicava à neta o código sexual do sinalzinho, aquele ponto que se punha e tirava na cara das moças: no lábio queria dizer uma coisa, no queixo outra... Os cavalheiros sabiam ler o sinal, podiam contar com ele. E a neta de Paulina explicava à sua própria neta os significados do leque: a abanar dizia isto, a esconder os olhos, aquilo... Sinais que os potenciais noivos entendiam. Já a neta da neta de Paulina andava na rua com uma T-shirt e a moça dizia que não, aquelas letras no peito, "Me Come", não queriam dizer nada, eram só letras. É, cada vez se diz mais claramente o que não quer dizer nada. Em plena campanha europeia, António José Seguro vestiu uma T-shirt (alô, gente simples, ele não vestiu nada, é só uma imagem, tá?), dizendo (alô, ele disse mesmo, tá?): "Não aumentaremos os impostos." Quatro palavrinhas, não podia ser mais claro. Seguro não aumentará os impostos. Claríssimo. E, no entanto, a frase limpa e cristalina não quer dizer nada. Sobretudo aos portugueses, a quem um Passos já lhes ensinou a vacuidade de uma frase dessas num Portugal destes tempos. Então, a frase de Seguro não significa nada? Significa, mas temos de procurar algures. A da neta da neta de Paulina, é que a garota é fingida. A de Seguro, é que a Europa para ele é o elétrico para São Bento, e só.
«DN» de 19 Mai 14

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18.5.14

Luz - Interior de hotel em Pereira, Colômbia

Fotografias de António Barreto- APPh

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É uma fotografia que, para mim, quase só vale pela luz, pelo título desta minha antologia de fotografia. Com uma particularidade: por definição, a luz é total, global e sem ordem. Quando há luz, há por todo o lado. Excepto… quando se consegue “dominar” a luz, encaminhá-la, leva-la com as formas ou as mãos… Orientá-la com as construções. Arrumá-la com objectos e instrumentos. Conservá-la ou captá-la com máquinas fotográficas… (2003)

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17.5.14

Porta Nova (Évora), anos 40 (2)

Por A.M. Galopim de Carvalho
...E a minha liberdade era a Porta Nova e tudo o que ali se fazia. Era o Café Camões, com bilhares no primeiro andar e esplanada sob a arcada onde, no Verão, podia beber um pirolito refrescado num alguidar com pedras de gelo de uma barra que, a mando de um dos empregados, o “Passarinho”, ia buscar ao Fomento Eborense, um grande armazém de mercearias com “máquina” de fazer gelo. Envolta a barra em serradura e por folhas do “Diário de Notícias”, para que não derretesse, e suspensa por um cordel, era assim, a correr, que percorria a curta distância a vencer. 
Texto integral [aqui]

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16.5.14

Frederika – a força do querer

Por Antunes Ferreira
Quando se chega ao topo da subida que vai da praça da Igreja para o Altinho, quase em frente do edifício da All India Radio, antiga Emissora de Goa no tempo dos Portugueses, encontra-se à esquerda a vivenda Navarro Menezes rodeada de buganvílias, onde vive a Frederika Menezes.
Antes de prosseguir com o escrito, explanem-se umas quantas informações para quem nunca esteve por aquelas bandas. Altinho é o nome de um bairro de Pangim, a capital do actual estado de Goa. É considerada a zona residencial da elite goesa, aqui se localizando a residência do ministro-chefe do estado, o paço patriarcal, a sede do comando militar, bem como os aposentos de muitos funcionários do governo e políticos. Algumas instituições de ensino estão também aqui instaladas. O Consulado de Portugal tem igualmente aí as suas instalações.(...)
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15.5.14

Posso dizer? Viva o Benfica!

Por Ferreira Fernandes 
Jesus fez o milagre da multiplicação dos portugueses. Numa equipa que joga tão bem e só com aquele pequeno defeito de poucos nascidos na Maternidade Alfredo da Costa, Jorge Jesus fez alinhar André Gomes, Rúben Amorim, André Almeida, Ivan Cavaleiro... Contem os nomes: oito portugueses, quase toda a equipa. E ainda havia dois tipos com aquela mania tão nossa de que são o máximo (e são): Luisão e Maxi. E mais o Lima, nome de família vinda das margens do rio tão cantado por trovadores. E um Gaitán raro, talvez dos gaiteiros de Miranda, um Rodrigo medieval e Cardoso, dos Cardosos, só na minha pequena rua há três. Gente nossa, jogando à portuguesa, com jeito para burilar e alma até Almeida. É do futebol assim que gosto, de artistas e perdulários. No entanto, ontem era data redonda, 10 finais. Havia que cumprir um desígnio e esse era mostrar ao mundo que uma maldição nos perseguia. Podíamos ter feito cinco, sete golos mas, lá está, erguíamos a taça e recebíamos sorrisos mordazes: "Com que então, maldição..." Teria sido mais fácil, houve bolas que até o Postiga marcava, mas a equipa sujeitou-se ao que ali nos levou: expor de forma categórica que só não ganhamos por enguiço. Cumprimos a meta, como se diz nas Finanças quando saímos a perder. Pobretes mas alegretes, e digo-vos sem ironia: este é o meu Benfica. Futebol é qualidade e emoção e se a isso se juntar uma dimensão cósmica, sobretudo adversa, sinto-me recompensado.
«DN» de 15 Mai 14

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Os pinta-paredes (102)

Agressões a crianças e jurisprudência

Por C. Barroco Esperança
As agressões a crianças, designadas por «castigos paternais», são a herança salazarista do hábito que cabia aos progenitores, por direito divino, e aos professores, por direito legal.
O DN fez-se eco da pedagogia ativa dos pais de uma criança de 11 anos, alegadamente mau aluno, mal comportado e que tinha começado a fumar. O corretivo, à moda antiga, provocou na vítima “três equimoses de coloração arroxeada, outra na face posterior da coxa; e no membro inferior esquerdo, duas equimoses de coloração arroxeada, ambas na região nadegueira”, e dez dias de cama. (...)
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14.5.14

Apontamentos de Lisboa

 Praceta João do Rio
Av. Sacadura Cabral
Sofás e maples para esperarmos sentados até que Lisboa tenha alguma auto-estima. Aqui, vê-se ainda um colchão (para quem prefira esperar deitado) e um carrinho de supermercado - abandonado a uns 300 metros do estabelecimento onde foi levantado com uma moeda de plástico.

As maldições também se abatem

Por Ferreira Fernandes 
Há por aí grande temor pela alegada maldição de Béla Guttmann. Tinha o Benfica ganho duas taças europeias (1961 e 62) e o treinador húngaro pediu aumento. O clube recusou. Então, Béla Guttmann lançou: "Sem mim, nem daqui a cem anos o Benfica ganha outra taça europeia". Disse? Não disse? De facto, só se começou a falar da maldição quando o Benfica falhou uma final, depois outra e assim por diante. Até hoje, já vai na sétima a morrer na praia - as mortes do Benfica estão empatadas com as vidas dos gatos. Se isso não cria uma lenda... Dou, pois, de barato, Béla Guttmann preferiu mesmo mandar uma boca a recorrer ao Tribunal de Trabalho (era estrangeiro, não sabia que em Portugal a entidade patronal perde sempre). E, assim, perdemos todos. Agora, o Benfica aceitou a maldição e decidiu dar-lhe a volta. No Estádio da Luz, ergueu uma estátua a Béla Guttmann para apaziguar os maus espíritos (e, ao mesmo, sem ceder à reivindicações exageradas do húngaro: fez a estátua em bronze, metal modesto). Por outro lado, o clube contratou jornalistas parciais e venais (é o meu caso) para propagar uma contramaldição. Em 1519, zarpou de Sevilha uma equipa treinada pelo português Fernão de Magalhães. Dois anos depois, na ilha de Mactan, Filipinas, os espanhóis abandonaram o treinador na praia e regressaram a Sevilha. Tenho o e-mail que Fernão Magalhães me mandou: "Sem mim, nem daqui a 500 anos Sevilha vai lá!" Maldição por maldição, vale a mais antiga.
«DN» de 14 Mai 14

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O ofício de ser português

Por Baptista-Bastos
Ser português não é, somente, uma nacionalidade: é um rude e dificultoso ofício, cujo exercício deixa os seus praticantes depauperados e atormentados. Tudo aquilo que constituía o edifício moral da sociedade foi depredado pela mentira, pelo embuste e pela malevolência. A pecha é transversal: todos os sectores têm sido atingidos e creio ser extremamente difícil remover a nódoa. Começou a campanha eleitoral, e o propósito de esclarecer não melhorou. Como acreditar nos que, até agora, apenas acirraram os nossos desgostos, aumentaram os nossos sofrimentos e acrescentaram o ódio às nossas raivas? A imprensa perdeu o viço e nada esclarece, como lhe competia, a fim de racionalizar o que as televisões noticiam. Os rostos mortos daqueles que tais surgem nos ecrãs com uma persistência que revela a preguiça e a ignorância de quem os alimenta. Perdeu-se o lado humano da vida e admitiu-se como fundamental e regra o número a estatística, a futilidade vaporosa que oculta a verdadeira natureza das coisas.
"A época é de charneira", disse um preopinante de voz grossa e escrita fininha. Um outro, que usa como pseudónimo o patronímico de um português ilustre, proclamou, impávido porque se julga impune, que nada devemos aos capitães de Abril. Claro que são criaturas obnubiladas pelo verdete de se saberem inseguras, fragilizadas pela consciência da sua pessoal menoridade. Mas o mal que têm feito é persistente e cria raízes. O "pensamento" de direita deixou de o ser para se substituir pela inconsistência do oportunismo e da insignificância. É impressionante assistir-se à reescrita da história e à desfaçatez de quem se transformou num democrata instantâneo como o pudim flan, depois de ter sido o que quer que seja de repugnante. A selecção natural do talento, da decência e da honra deixou de exercer o seu império. E a chusma de medíocres alcançou carta de alforria na política, no jornalismo, na literatura, nas ciências sociais. Sem antagonistas, ou porque estes não o querem ser ou por receio de represálias.
Bem desejaria que estes problemas e outros semelhantes, eriçados no nosso país, fossem discutidos entre os candidatos. Não me parece que tal seja possível. Apenas um modesto exemplo: que diferença há entre o Paulo Rangel e o Francisco Assis?, ambos a tocar no mesmo pífaro. Rangel é de direita, e não o esconde. Assis é da ala mais conservadora do PS, e também não faz questão de o dissimular. Foram escolhidos pelas direcções dos seus partidos, e não é preciso acreditar em Deus para se descortinar o porquê das preferências.
Apesar de tudo, chega ser imperioso que votemos. Votemos naqueles que mereçam o favor da nossa consciência e a imposição moral das nossas pessoais opções. 
«DN» de 14 Mai 14

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13.5.14

Palavra importante e útil como o não

Por Ferreira Fernandes 
Logo a seguir aos atentados de Londres, em 2005, embarquei para lá. Fui ter com a minha filha que passara por King"s Cross, o cruzamento de onde saíram os três comboios e telefonou--me entre essas explosões e a do autocarro que saindo dali explodiria a seguir. Nem esses comboios nem o autocarro tinham itinerários que poderiam ser o dela - mas tangentes a tragédias nunca descartam o pior. O assunto que há anos era o meu, moral e político, passou a ser também pessoal. Alicerçou-se em mim uma palavra que eu via desaparecer à volta. Era palavra mais do que abolida, estava esquecida. Por esses dias, passeando por Hyde Park, no Speakers' Corner, onde se sobe a caixotes e fala-se de tudo, vi a complacência com que os londrinos ouviram um barbudo defender e aplaudir os atentados. Percebi que também eles tinham esquecido a palavra. Esquecer, porque já a tinham conhecido e, por exemplo, proibiram a British Union of Fascists e prenderam o líder, Oswald Mosley, em 1940, na guerra. Ontem, vi garotas negras com um pano de fundo de muito pano. Eram parte daquelas 276 nigerianas, entre os 12 e 18 anos, raptadas há semanas pelo terror islâmico. Os terroristas disseram que elas já estavam islamizadas e uma das garotas quando confirmava isso à câmara lançou um olhar fugidio e medroso para alguém que estava para lá dela. Eu sei quem estava. Estava lá a palavra que a civilização esqueceu e não devia. Essa palavra: inimigo. É, existe e há que sabê-lo. 
«DN» de 13 Mai 14

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11.5.14

Sedimentogénese, uma parcela do ciclo das rochas

Por A. M. Galopim de Carvalho
Em finais do século XVIII, o escocês James Hutton (1726-1797), lembrado como o pai da geologia moderna, escrevia: “A Terra é um sistema dinâmico, cuja superfície está constantemente em transformação, em virtude do calor armazenado no seu interior e dos efeitos causados em superfície pela energia solar.

A energia radiante que a Terra recebe do Sol, sob a forma da luz visível e de radiações ultravioleta e infravermelha, é o colossal motor da chamada geodinâmica externa, isto é, a que decorre à superfície do planeta. É neste ambiente que tem lugar a supergénese, expressão que alude ao carácter superficial dos processos e, por isso, ditos exógenos, nos quais se incluem (...)
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Luz - MFA, Museum of Fine Arts, Boston, Exercícios de cópia

Fotografias de António Barreto- APPh
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De passagem por uma sala dedicada a artes decorativas, medalhões, porcelanas, esculturas, bronzes e gessos diversos, deparo com amadores e estudantes em pleno exercício de cópia. A sala era impressionante pelo silêncio e pela concentração de estudo que se sentia no ar… (2003)

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10.5.14

«Dito & Feito»

Por José António Lima
Tudo indica que dois partidos, PS e CDU, vão subir a sua votação nas europeias do dia 25, enquanto os outros três - os coligados PSD e CDS, mais o BE - verão descer claramente tanto os seus votos como os eurodeputados eleitos.
Não é, pois, por acaso, que PS e PCP têm vindo a endurecer o tom das críticas mútuas e os contra-ataques de campanha. Jerónimo de Sousa, neste fim de semana, chegou ao extremo de dizer que seria “mau para a democracia” e a colocaria “em risco” se os portugueses dessem o seu “voto de descontentamento ao PS”. Ao mesmo tempo, António José Seguro apelava ao voto útil da esquerda no “único projecto responsável” e à “concentração de votos no PS”. Em causa está a hipótese de os 10.º ou 11.º eurodeputados do PS se perderem para os 3.º ou 4.º eleitos da CDU. Ou vice-versa.
Neste contexto, de que lado se coloca Mário Soares com o seu incansável activismo frentista?
No 25 de Abril, enquanto Seguro e o PS celebravam a democracia parlamentar, Soares estava no Largo do Carmo, de braço dado com os capitães inadaptados, o PCP e a esquerda radical. E afirmava que aquela era “a única e verdadeira comemoração”.
E se o PS continua a pedir legislativas antecipadas e ordeiras para substituir o Governo, Soares proclama que Passos e Portas “vão ter que sair à força” e que “da próxima vez vai a mal”.
Já quando o PS se demarca de qualquer pedido de perdão ou corte da dívida, Soares garante que “a dívida não é pagável” e que “o manifesto dos 70 é altamente patriótico”, em sintonia com o discurso do PCP.
Eis como se lançam a confusão e as maiores divisões na base eleitoral dos socialistas. Só falta ver Soares, como Jerónimo de Sousa, a jurar que não houve qualquer cerco à Assembleia Constituinte em Novembro de 1975. E que nem sequer havia Parlamento... 
«SOL» de 2 Mai 14

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Apontamentos de Lisboa

Praça de Londres
Uma ideia simpática, posta em prática numa velha cabine telefónica: 
«Deixe um livro, leve outro». 
Os livros disponíveis são muitos, variados, estão em bom estado e razoavelmente ordenados.

Eleições europeias: ganhou Putin

Por Ferreira Fernandes 
A região leste da Ucrânia vai domingo às urnas para votar a sua saída ou não do país. A maioria da população é russa e é provável que o referendo decida a separação. Quer dizer, há risco de aumentarmos em breve os nossos conhecimentos geográficos: saberemos o que são Donetsk e Lugansk porque as guerras são pródigas em ensinar nomes efémeros (quem se recorda de Vukovar e Pristina, apesar de terem sido manchete quando da guerra recente que andou pelos Balcãs?) A Ucrânia vai para a guerra e nós para mais nomes. Ela perde e nós não ganhamos nada. E podíamos ganhar. Podíamos aprender o que é política. Só nesta semana, vejam como Putin a fez. Quarta-feira, ele propôs que os seus amigos secessionistas do Leste da Ucrânia adiassem o referendo. Eles não vão adiar, mas Putin apareceu como moderado. Depois do beijo na boca de quarta, ele deu dois murros nos dentes, ontem: primeiro, no desfile do fim da II Guerra Mundial, em Moscovo, Putin mostrou o melhor das suas Forças Armadas, surpreendentemente modernizadas; depois, viajou para a Crimeia (região oficialmente ucraniana) e discursou como um patriota russo. Com a força não podemos aprender nada, Putin tem-na e a Europa não. Mas com o saber que ele mostrou de ser dialético - o sim e o não para dar um passo em frente, isto é, a base da política - aprendíamos muito. Política... A Europa vai a votos dentro de dias, já alguém ouviu política? 
 «DN» de 10 Mai 14

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9.5.14

Gralhas sem gralhas (já em Lisboa)

Por Antunes Ferreira 
Salustiano é nome de goês. Carlos Salustiano Caldeira. É com ele que converso. Ali ao lado corre, molengão, o Mandovi. Não há batelões que usam transportar o minério, porque há 20 meses que as minas foram encerradas porque a maior parte delas era ilegal. Mas, os navios-casinos continuam fundeados no rio e barcos de transporte dos passageiros vão ondulando entre os portos de embarque e os costados. Um dia contarei a estória destes jogos de azar. Basta, porém, que hoje diga que os naturais já estiveram proibidos de lá entrar, mas a sentença voltou atrás. (...)
Texto integral [aqui]

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A mulher barbuda no Circo da Eurovisão

Por Ferreira Fernandes 
Adriana Calcanhotto tem uma canção que abre a assim: "O que será que sonha/ A mulher barbada? Será que no sonho ela salta/ Como a trapezista?" E Calcanhotto continua com outras profissões de circo e sonhos dos palhaços e dos domadores, para voltar à dúvida: o que será que sonha a mulher barbuda? A cantora não responde. Eu sim: a mulher barbuda sonha em não ter barba. Se sonhar que tem, não é sonho, é pesadelo. Hoje ainda é pior do que nos tempos das mulheres barbudas, dos anões e dos homens-torso: antes ainda arranjavam emprego no circo. Mas o Cirque du Soleil, se hoje passasse por Copenhaga e expusesse uma mulher barbuda, teria uma manifestação à porta. Sim, dá emprego mas é indigno expor mulheres barbudas, mesmo se elas aceitam. Dir-se-ia, então, que a manifestação era progressista. Mas se amanhã uma manifestação protestar, à porta do Festival da Eurovisão da Canção, em Copenhaga, contra a exploração da concorrente austríaca Conchita Wurst, travesti que se apresenta como mulher barbuda, com belo vestido e barba cerrada, os manifestantes serão chamados de reacionários. É certo que Conchita está lá porque quer e para sacar o dela, mas não era o mesmo verdade com as mulheres barbudas dos circos de antanho? Então, qual a diferença? Suspeito que o truque é este: envolve-te em lantejoulas e ideias fraturantes e aceitam-te as causas mais absurdas. O lançamento de anões só foi proibido porque não foram usados anões ecologistas. 
«DN» de 9 Mai 14  - imagem obtida [aqui]

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8.5.14

Para acabar com o buraco da fechadura

Por Ferreira Fernandes 
Monica Lewinsky, o assunto que bem podíamos não ter ficado a saber - recordo a banalidade: um adulto conheceu uma adulta e mais e mais -, escreveu anteontem na revista americana Vanity Fair que punha uma pedra sobre esse passado velho de 16 anos. Ela e o então Presidente Bill Clinton, o que fizeram, diz ela, foi "consensual". Ela queria, ele queria, e pronto, enterre-se o assunto. Ela disse exatamente: "Está na hora de enterrar o vestido azul." O que é uma fórmula razoável para rematar o affaire - vestido lembra não vestido e, em matéria de imagem, chega, já fomos demasiado intrometidos. O tabloide New York Post em matéria de fórmulas prefere-as mais gráficas e fez ontem esta manchete, ao lado da foto de Monika Lewinsky: "My Life Sucks!". Tem duas traduções: "A Minha Vida Enoja!" ou "A Minha Vida Chupa!" Era também uma manchete noticiosa que dizia: "Nunca se deve esquecer que há sempre pessoas e os seus correspondentes jornais atraídos pela sarjeta!" É admirável a capacidade de concisão ("My Life Sucks!") do New York Post, que diz tanto em só três palavrinhas. Dito isto, passemos a outro assunto: o tabu do escândalo Lewinsky-Clinton foi, pois, esvaziado em 2014. O que quer dizer que, em 2016, uma grande senhora e esclarecida e poderosa líder política, Hillary Clinton, pode dedicar-se, sem fantasmas, ao que é realmente sério e de interesse público: lutar para suceder a Obama. 
«DN» de 8 Mai 14

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Algumas considerações sobre a Concordata de 2004

Por C. Barroco Esperança
A cerimónia de despedida do núncio apostólico em Lisboa, em 2002, deixou as piores apreensões sobre os bastidores das negociações da Concordata.
O então MNE, Martins da Cruz, prometeu aí o que não podia nem devia –, o reforço da influência da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) no domínio «do ensino, da assistência social, da cultura, nos múltiplos domínios em que nos habituámos a ver uma Igreja ativa e empenhada em contribuir para a solução de problemas nacionais». (...)
Texto integral [aqui]

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7.5.14

Os pinta-paredes (101)

Há dias, dentro deste "capítulo", mostrou-se aqui esta casa (existente no jardim do Campo Grande) completamente grafitada, pelo que é de saudar o facto de ter sido limpa. Quanto às janelas e portas entaipadas, claro que pouco haverá a fazer...

Limpa, suja ou encardida?

Por Baptista-Bastos
Uma pessoa de recta consciência não pode deixar de se indignar, com nojo e abominação, ante o cerimonial em que o inexcedível Passos Coelho anunciou a "saída limpa" da nossa subalternidade. A comunicação social e os comentadores estipendiados usaram, como na Idade Média, tubas e atabales de regozijo perante tão fausto acontecimento. E o primeiro-ministro, useiro e vezeiro em manter com a verdade uma relação conflituosa, disse a um país perplexo a seguinte bojarda: "A liberdade de decisão foi reconquistada."
A simulação da realidade brada aos céus. Portugal continuará, por mais algumas décadas, sob vigilância apertada, e a gulodice daqueles indicados nossos "credores" não se apaziguará. Os portugueses não sabem a quem devem dinheiro; mas, parafraseando a frase imortal daquele banqueiro impante, agressivo e tolo, lá que devem, devem.
Continuamos, pois, imersos na miséria, na fome e no desespero sem esperança. Um pequeno grupo de burocratas ignorantes prosseguirá na tarefa infame de dar ordens a quem quer que esteja no Governo. Nada sabe da nossa história, da nossa cultura, das idiossincrasias que, apesar de tudo, nos diferenciam. Um deles fez uma declaração comovente: iria voltar a Portugal, como turista, por causa dos pastéis de nata de Belém! A rede foi estendida com sagaz competência, e as estruturas do capitalismo tornaram-se cada vez mais vorazes, porque não confrontadas com um antagonismo competente e sólido. O "socialismo democrático" é uma desgraça por toda a Europa; há governos que o são sem estar avalizados pelo voto, como acontece em Itália. A indigência moral, política e ideológica da "esquerda moderada" abriu caminho à avalancha da extrema-direita, cuja soberba começa a ser assustadora.
Os partidários desta política, caso de Passos Coelho e dos que tais, presos na insanidade de um suicídio colectivo, já não constituem uma decepção permanente porque tornaram "natural" a aberração histórica sob a qual vivemos. Manifesta--se uma ofensiva ampliada contra o ideal democrático, e a sub-reptícia proposta de despersonalização ética, substituída pela ordem que inculca a ideia da desnecessidade de governos eleitos. O "Estado mínimo" e a entrega da representatividade política e social aos privados, tão do agrado da catequese neoliberal, não encontra resposta nos partidos "socialistas", os mais próximos de uma confrontação urgente e fundamental.
Hollande é um desgraçado sem tino, que colocou nas funções de primeiro-ministro um direitinha contumaz. Nós, por cá, tudo mal ou embezerrado. Os reforços de Jorge Coelho e José Sócrates, assomados para socorrer António José Seguro da flexibilidade demonstrada, não chegam para "dar a volta" a um partido que perdeu há muito as distintivas de "esquerda." 
«DN» de 7 Mai 14

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Descobrimentos dos Pequeninos

Por Ferreira Fernandes 
Seis homens e outras tantas gravatas, entre empresário, primeiro-ministro, secretário de Estado da Cultura, guarda-costas e desconhecidos, encafuados numa caravela do tamanho de um táxi não dão boa imagem. Havia também quedas de água que pareciam poupar na água e um elefante e um rinoceronte também minorcas a ponto de poderem ter saltado para o táxi mas que, não o tendo feito, não justificam o guarda-costas e retiraram emoção à visita de Passos Coelho, ontem, ao novo Museu dos Descobrimentos no Porto. Se uma foto vale por mil palavras, as três ou quatro fotografias que farão a alegria dos jornais e blogues vão garantir, hoje, que ali não houve grandeza. E, no entanto, o primeiro-ministro fez bem em se mostrar naquela visita. Aquele museu é tão incipiente como chegar à costa da Mina quando a intenção era ir buscar pimenta à Índia - mas o bolinar das caravelas (e dos museus) faz-se caminhando. E a verdade é que se o Porto tem aquele Museu dos Descobrimentos, Lisboa não teve nenhum para mostrar aos 18 mil turistas dos seis navios de cruzeiro que ontem fundearam no Tejo. Assim é de aplaudir o museu do Porto e eu só não aplaudo mais por ele vir na esteira do Portugal dos Pequeninos que hoje nos tolhe como nunca. Receio que ontem se tenha celebrado ali a impossibilidade de Portugal (Portugal!) não poder ter o rasgo e grandeza de um Museu do Vasa em Estocolmo. Parece que também nisso de Descobrimentos temos de ser modestos. 
«DN» de 7 Mai 14

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6.5.14

O terrorista que falou como terrorista

Por Ferreira Fernandes 
Ontem, enfim, chegou-nos alguma esperança do drama das alunas nigerianas raptadas. Sabe-se, a 14 de abril, o grupo terrorista islâmico Boko Haram entrou numa escola cristã, meteu em camiões 276 meninas entre os 12 e os 18 anos e levou-as para as regiões que controla. Algumas das meninas conseguiram escapar mas julga-se que há ainda um pouco mais de 220 presas. Ontem, e é a primeira boa notícia deste drama, Abubakar Shekau, chefe do Boko Haram, divulgou um vídeo endereçado aos pais das liceais, a quem disse: "Eu raptei as vossas filhas e vou vendê-las no mercado em nome de Alá." E acrescentou: "E as que não forem vendidas serão nossas escravas." Evidentemente, o destino das meninas é abominável e o que os pais vivem é um horror. Mas eu falo das palavras ditas, que foram as certas. No dia do rapto, o Boko Haram pôs uma bomba que matou 75 pessoas - mas as bombas, por mais que matem, acabam por ser consideradas inevitabilidades nas guerras (sobretudo civis) e, se não desculpadas, são esquecidas. Também as ideologias, só por serem imbecis - por exemplo, o nome Boko Haram quer dizer "a educação ocidental é pecado" - não bastam para impressionar mal os povos. Agora, as palavras substantivas que Abubakar Shekau disse, essas, são benditas. Todos os homens maus deveriam falar assim, claro. Infelizmente, o que quase todos eles primeiro aprendem é a esconder-se atrás de discursos enganadores. 
«DN» de 6 Mai 14

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5.5.14

Análise semântica da saída limpa

Por Ferreira Fernandes 
Eu desde que vi os juros a subir que nem carrascos porque sim e os vi a descer com gentileza porque sim, decidi que não. Não mando bitaites sobre finanças e não ouço os sábios. Já sei o que já sabia, que sou nulo na matéria, mas sei também agora, de experiência feita, que não estou sozinho. Quando vou ao casino também não me ponho a discutir com o croupier por ter saído cinco vezes seguidas o preto. Encolho os ombros. Ou melhor, não os frequento porque fico sempre a perder. Infelizmente, pelos vistos, nem de todos os casinos posso escapar. Saída limpa? Ok. Se o primeiro-ministro o diz: "Depois de uma profunda ponderação de todos os prós e contras, concluímos que esta é a escolha certa na altura certa", Ok. Embora, depois de tanta ponderação e medições, se aceito a "escolha certa" - foi aquela, limpa, mas, como já disse, se fosse a cautelar também aceitava -, se entendo a escolha, faz-me espécie a "altura certa". Havia alternativa ao tempo de saída? Podíamos sair noutra altura? Há um mês? Daqui a um ano e 23 dias? E os nossos parceiros europeus - que, segundo o nosso primeiro-ministro, apoiariam a nossa escolha "de forma inequívoca fosse qual fosse a opção que viéssemos a tomar" - se disséssemos "eh, pá, afinal a malta não sai!", também seriam apoiantes e inequívocos? Desculpem-me a agarrar-me a deslizes de linguagem mas conversa é a única coisa palpável nesta história. Sobre estados de alma, como finanças, não perco tempo. 
«DN» de 5 Mai 14

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