Por Antunes Ferreira
DO AMPLO terraço do Hotel The Crown – A Gralha – tem-se uma belíssima vista sobre o Mandovi; à noite, então, com os barcos casinos iluminados, que são bastantes, e os que fazem os tours no rio, e são ainda mais, espalha-se pelas águas um tom garrido e feérico que contrasta, até sonoramente, com a quietude que se vai instalando em Panjim. É o exemplo típico do sussêgado, palavra suprema para qualificar Goa. As pessoas são sussêgadas, o ritmo de vida é sussêgado, os funcionários públicos são sussêgados, os donos das lojas e os respetivos empregados são sussêgados, os médicos, os enfermeiros, os advogados, os escrivães são sussêgados, até os briosos agentes da autoridade o são.
Fora ali em que o engenheiro Rui Afonso Henriques encontrara a Senhora Dona Maria Zínia Filomena e mais seis apelidos, trinta e dois anos, viúva. Uma graça da Natureza, um brinde celestial, uma obra de Boticelli sem concha e de cabelos de azeviche, longos como os da Vénus mas sem os doirados desta. Uma verdadeira da Deusa do Amor, mas, infelizmente muito mais vestida do que a divina criatura.
Era uma festa de apresentação de mais uma companhia do empresário mineiro Agnelo Mascarenhas Costa, com quem Rui colaborava desde Portugal; desta feita, era a primeira vez que estava em Goa, por mor da novidade. Agnelo apresentara-os, apertaram-se as mãos formalmente, mas, para o Português fora uma descarga fulminante através da epiderme morena da Afrodite tropical. Correntes fortes, fortíssimas, inebriantes, paralisantes. Um veneno de uma qualquer capelo não teria sido mais instantâneo.
No dia seguinte Rui encontrou-a «por acaso» na Brodway, livraria imprescindível da capital. Usava um sari e um umbigo traquinas dava um ar ladino ao conjunto excelente. Sensual traje o sari, esconde tudo, mas desvenda o ventre voluptuo, comentou ele, o senhor engenheiro é um bom Português, insinuante, simpático, quiçá até um pouco atiradiço. E o riso quente, e os olhos profundos e verdes, e o requebrar dos quadris ainda que parados e o resto, levaram-no ao paroxismo. Nunca desejara tanto uma mulher. E tinha a certeza de que ela o sabia.
Andaram nisto durante a semana. No sábado, ela veio no seu BMW Série 3, motorista discreto e monossilábico, apanhou-o no hotel e foram até Miramar. Face ao espanto plantado na face dele, Zínia entrou por revelações, era riquíssima, casara aos 17 anos com um advogado de 84, lúcido mas impotente, proprietário de inúmeras várzeas e múltiplos coqueirais, casas espalhadas por Salcete e outras em Bardez, arqui, portanto. O causídico viria a morrer quatro anos depois de terem dado o nó na Igreja do Bom Jesus, Velha Goa.
Depois de umas largas horas de confidências, em que ela desabafou como nunca antes o fizera – palavras suas -, Rui Afonso Henriques, timidamente, pediu-lhe desculpa da pergunta que lhe queria fazer, ela, com um sorriso a cair no irónico, antecipou-se, ele nunca me tocou, mas encarregou um estagiário de me fazer mulher e me dar um filho que, como era óbvio, seria oficialmente descendente do idoso multimilionário. Mas, foram apenas duas vez mais, para garantir a gravidez, o jovem aparentemente suicidara-se, levando para a cova o segredo, e a barriga dela não se encheu. E, para ser mais completa na explanação, nem sequer chegara a ter prazer. Era, a bem dizer, uma virgem desvirginada.
Voltavam para o hotel, mudos porque o engenheiro no meio do relato da vida dele, naturalmente correspondendo ao falar dela, deixara cair que na segunda-feira, iria tratar de reconfirmar os bilhetes de volta a Lisboa, já?, sussurrara ela. Passavam em frente da vivenda dela, melhor se dissera do palacete do tempo dos Portugueses, você não quer tomar uma bebida? Pois claro que queria, muitíssimo obrigadíssimo.
Entre. O empregado que os viera esperar à porta saiu para tratar das bebidas, eu vou ali ao quarto para me refrescar, volto já, e seguiu ondulante. De volta, mas tem mesmo de ir já?, não pode ficar mais uns dias?, vou ver o que posso arranjar, adiar os bilhetes. E, num repente, ela puxou-o pela mão, vem. Era o primeiro tu e o primeiro passo para o paraíso. O quarto enorme, enorme a cama de dossel. Zínia fechou a porta, senta-te aqui na cama, quero ver-te bem, as luzes acesas, ele sentou-se.
E ela começou a desenrolar o sari azul-escuro e dourado. Baixou o saiote e lentamente despiu o corpete. Sutiã e calcinhas da mesma cor. Uma estátua de canela que abriu os colchetes e soltou os seios eretos, mamilos castanhos grená, insubmissos, altivos, e, de seguida, tirou as cuequinhas, o velo negro bem desenhado. Baixou-se, despiu-lhe a camisa, as calças e os boxers com alguma dificuldade e uns quantos risinhos, porque o inquilino orgulhosamente empinado dificultou a manobra. Foi uma noite deliciosamente longa e atarefada… Às quatro da madrugada foram tomar duche juntos, os corpos suados, o desejo a fingir um intervalo, até voltarem à cama desfeita, depois de se secarem suavemente e ensarilharem as línguas e reacenderem o fogo que ameaçava ser eterno.
Sete anos depois, de volta a Goa em férias, já com dois meninos e duas meninas, matizados os quatro, Rui e Zínia decidiram fazer nova encomenda para tentar desempatar as crianças. E se viesse um casal de gémeos? Logo se veria.
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