Por C. Barroco Esperança FALTANDO-ME EXPERIÊNCIA para dar testemunho sobre o divórcio, corro o risco de parecer um padre a falar do matrimónio. Herdei o hábito de preservar os laços conjugais mas sei da vida o suficiente para formar a convicção de que não é o divórcio que interrompe o casamento, é o fim deste que dá origem ao divórcio.
Há almas pias que vêem na consequência a causa e na tentativa de evitar males maiores uma conspiração contra a instituição que os tempos se encarregaram de tornar precária.
Hoje já não é hábito assediar a divorciada, apontá-la à execração pública e atribuir-lhe a culpa, apanágio da mulher, uma espécie de complemento do pecado original. Mudam-se os tempos e as leis, e o divórcio deixou de estigmatizar a mulher, enquanto o homem, como sempre, gozava de compreensão.
Lembro-me das primeiras divorciadas que conheci e da forma como eram recriminadas pela inépcia na sedução dos maridos, resquícios do tribalismo machista que a sociedade rural e beata se encarregava de perpetuar.
Em 3 de Novembro de 1910 a República decretou o divórcio e sucederam-se as iradas manifestações de catequistas, celibatários e padres a condenarem uma lei que resolveu situações intoleráveis.
Quando, depois do 25 de Abril, sendo ministro da Justiça Salgado Zenha, se permitiu o divórcio a quem tinha um casamento católico, que a Concordata tinha imposto como definitivo, houve apenas manifestações de júbilo e a possibilidade de resolver casos de mancebia, incluindo o do Dr. Sá Carneiro que não via necessidade da Concordata.
Agora, 34 anos depois do 25 de Abril, as alterações legislativas para facilitar o divórcio, a fim de o tornar menos traumático, uniram contra si as associações pró-família, vários sectores conservadores, meios religiosos, alguns magistrados e o próprio PR que a idade vai tornando cada vez mais devoto.
Grupos de pressão, pessoas pias que ignoram a violência doméstica, e associações que nunca emitiram opinião sobre mulheres assassinadas pelos maridos (são elas as vítimas mais frequentes) vêm agora, tal como aconteceu em Espanha, fazer um enorme alarido sobre uma lei que, na minha opinião, traduz um avanço civilizacional.
É bom recordar que o divórcio é a consequência do casamento falhado e jamais a causa do seu termo. Levar para os tribunais a devassa da vida íntima e a crispação da ruptura é ampliar o sofrimento ao casal e aos filhos, se os houver. Um tormento inútil por causa de um preconceito.
NOTA (CMR): esta crónica, juntamente com outras do mesmo autor, está também no blogue Ponte Europa Etiquetas: CBE