No "Correio de Lagos" de Dezembro de 2021
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Por C. B. Esperança
Em França, o clero de várias religiões agita as vestes talares e envenena os media contra a laicidade. Acusam o PR de radicalizar o laicismo, como se a neutralidade pudesse radicalizar-se. O laicismo radical é uma impossibilidade, espécie de abstenção violenta. A condescendência de Mácron é que é criticável, e tem sofrido ameaças islâmicas.
A laicidade desagrada às religiões que querem viver à sombra do Estado e interferir nas leis, e usam um artifício semântico para a contestarem. Dizem que aceitam a laicidade, mas são contra o laicismo, como se a primeira não fosse a mera aplicação da filosofia em que se baseia –, o laicismo.
A França, aliás, toda a Europa, está a ser fustigada pela evangelização de religiões que pretendem impor os seus credos e os seus modelos tradicionais, éticos, gastronómicos e jurídicos, das crenças que transportam. Exigem o comunitarismo para se defenderem do cosmopolitismo e combatem a laicidade para preservarem a identidade, tantas vezes as tradições que discriminam a mulher e impõem normas contra os Direitos Humanos.
Contrariamente às queixas do clero das várias religiões, a liberdade religiosa existe em França, sem discriminações. As provocações pias, com suspensão da circulação pública para as orações diárias, a exibição identitária, a misoginia comunitarista e o desacato às leis da República não merecem contemplação. Há ruas entupidas cinco vezes ao dia.
Continua a ser uma surpresa ver religiões que se odeiam unidas no combate à laicidade, na incapacidade de abdicarem do proselitismo e na determinação de imporem os seus dogmas e tradições à sociedade secular. Não suportam a indiferença do Estado.
Os crimes sectários com motivações religiosas são sempre atribuídos a minorias que se fanatizaram e nunca à obediência aos disparates do seu Deus. O combate pela laicidade é visto como doença, acusado de fobia, paradoxalmente mais por pessoas de esquerda do que de direita, estas intrinsecamente mais xenófobas.
E não se pense que a tara atinge apenas os monoteísmos, que os filhos de Abraão são os mais perversos nesta defesa assassina do seu Deus, criado para a explicação por defeito dos medos, ansiedade e ignorância do desconhecido, na Idade do Bronze.
A comunidade cristã da Índia sofreu este ano uma série de ataques durante o Natal, com estátuas de Jesus Cristo a serem destruídas, celebrações interrompidas e imagens do Pai Natal queimadas. Os cristãos dizem não ser culpa do Governo, mas o Governo indiano mandou congelar contas das Missionárias da Caridade. Estranha coincidência, onde as castas permanecem, a desonra maior é o casamento de uma viúva e a violência contra os muçulmanos um hábito que recrudesceu com o nacionalismo hindu.
Os budistas, contemplativos, que se apiedam dos animais ínfimos, odeiam os Rohingya, minoria muçulmana apátrida de Mianmar, antiga Birmânia, alvos de genocídio, e levam a crueldade a limites impensáveis, através dos militares budistas que os monges apoiam.
George Sand, a notável escritora francesa que teve de se esconder sob um pseudónimo masculino, lançou um dia esta imprecação: «Há cinquenta anos que trago em mim uma maldição que hei de repetir até à hora derradeira, maldita, maldita, três vezes maldita seja a intromissão do padre na família». Cito de memória a frase, lida há sessenta anos, para a acompanhar na imprecação à ingerência das religiões nos aparelhos de Estado.
Só a laicidade nos pode salvar do proselitismo assassino das religiões. Não há liberdade religiosa sem democracia, nem democracias confessionais. A Europa só pode defender o seu ethos civilizacional da demência pia que a ameaça se for vigorosa na laicidade.
A violência religiosa crepita da Turquia ao Egito, do Iémen à Nigéria, do Afeganistão à Arábia Saudita, da Índia ao Uganda, por todo o mundo, enquanto os media dos países democráticos insistem que as religiões promovem a paz. Talvez nos cemitérios!
Lembremo-nos que somos todos infiéis em relação aos deuses dos outros. Os ateus só o são em relação a mais um, e eu não gosto de decapitações, chicotadas e lapidações, que extasiam os deuses dos selvagens devotos que as defendem e aplicam.
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Por Joaquim Letria
Devo ser só eu que estranho, mas deixa-me a meditar a visão dos presos ilustres, de mala na mão e família às costas, a baterem à porta dos estabelecimentos prisionais, despedindo-se da mulher e filhos em cenas lancinantes muito a propósito da bateria de jornalistas, fotógrafos e “cameramen” que ali se amontoam, depois de convenientemente avisados, a fim do candidato a recluso manifestar a sua inocência.
Ele entrega-se mas a contra gosto, por ser cumpridor da lei, sujeitando-se àquilo que considera ser uma injustiça. É isto que as televisões mostram e o advogado que o acompanha proclama.
Maior surpresa para mim é ainda quando os presos ilustres vão a uma cadeia da sua preferência e os mandam embora por não haver lugar. Nestes casos, o pobre do recluso enjeitado fica a fazer contas à vida e aos quilómetros que a família vai gastar para o visitar. Mas não se precipita sem antes, naturalmente, se informar devidamente acerca da qualidade da cela e do “catering”, rotinas diárias e frequência dos seus futuros companheiros. Mas lá partem eles de Évora, que parece ser uma prisão de cinco estrelas e bem frequentada, para tentar a cadeia de Castelo Branco só por esta dar muito jeito de proximidade aos familiares que os irão visitar.
Na minha juventude nenhum preso podia dar-se ao luxo de decidir para que prisão iria, a começar por aqueles que eram apanhados a conspirarem contra a ditadura. Nenhum tinha escolha. Em prisão preventiva batiam com os costados nos curros do Aljube, ou iam para o reduto Norte de Caxias, de grande segurança e isolamento. Também isto era ditado por um critério de proximidade mas menos amistoso – os interrogatórios da PIDE na António Maria Cardoso, ao Chiado.
Uma vez condenados eram transferidos para cumprirem pena em Peniche, continuarem em Caxias mas no reduto Sul, com uma média de cinco presos por cela, ou irem até ao Tarrafal, em Cabo Verde, apanhar sol na “frigideira”. Isto eram os presos políticos, porque os de delitos comuns eram guardados em Alcoentre, Pinheiro da Cruz, Coimbra ou Custóias, Penitenciária de Lisboa ou Cadeia de Monsanto. As mulheres eram enviadas para as Mónicas ou Tires.
Como se imagina nem uns nem outros tinham o direito de escolher onde iam cumprir pena, sendo estas previstas e marcadas, e depois acompanhadas, pelo Tribunal de Execução de Penas, o qual, pelo acima exposto, não sei se ainda existe ou a existir, para que serve.
Enfim, com esta liberalização das penas de prisão destinadas a presos ilustres, ainda vamos ver os condenados a telefonarem para o Booking ou para o Trivago para arranjarem uma suite na cadeia mais conveniente. Não é que eu defenda o regime das galés ou o desterro à Papillon, mas num País como o nosso, onde as prisões estão sobrelotadas e que quase tem mais penas suspensas e domiciliárias do que de cadeia efectiva, comparo a realidade actual com os tempos em que eu escrevia sobre julgamentos que acabavam quase sempre a enviar os réus para a enxovia, fosse ela qual fosse.
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Por C. B. Esperança
O chumbo do OE derrubou o Governo e destruiu a confiança recíproca dos partidos de esquerda, e a do eleitorado na sua solidariedade. A direita ganhou aí a sua oportunidade de regressar ao poder, muito mais cedo do que podia esperar.
São irrelevantes as acusações de cada partido, na luta pelos votos das próximas eleições legislativas, cada um com as suas acusações, e com a irreparável perda de uma solução benéfica para o país, especialmente para os mais desfavorecidos.
Só por cinismo ou demagogia se pode acenar com a impossível repetição da experiência anterior, na próxima legislatura. Pode servir de truque eleitoral, aliás, risível, não serve para modificar a realidade nem para convencer o eleitorado.
Não foi um só partido que perdeu a confiança eleitoral, foi o conjunto das esquerdas que alienou o capital de simpatia e o entusiasmo que gerou. De positivo, além da excelente gestão que permitiu grandes avanços sociais num período particularmente difícil, ficará para o futuro a ampliação do que a direita amputava ao arco do poder.
O nível do Estado social nunca é demais, mas a economia pode não ser suficiente para o manter, e as esquerdas não podem varrer para debaixo do tapete a sua sustentabilidade.
O suicídio da Esquerda vai ser lentamente digerido. É improvável que as direitas saiam maioritárias das próximas eleições legislativas, mas sairão das seguintes, com o partido fascista a espreitar o poder e a destruição da arquitetura legislativa de um Estado de direito democrático.
A vantagem de que as esquerdas gozam, para não saírem já minoritárias, é o estado de decomposição em que se encontra o PSD onde os ódios internos superam a vontade de derrotar as esquerdas.
Rui Rio, o mais respeitável líder que o PSD gerou depois da tomada do poder pela dupla Cavaco /Passos Coelho, apadrinhada por vultos risíveis, Marco António, Filipe Meneses e Santana Lopes, viu-se derrotado no Conselho Nacional de Jurisdição, fragilizado na Comissão Nacional e fica vigiado por Pinto Luz, Montenegro e Carlos Moedas, homens de mão de Passos Coelho e ungidos, sobretudo o último, pelo PR cujas paixões pessoais não refreiam os apetites políticos pela condução do PSD.
Resta-nos a tribalização do PSD para retardar a tomada do poder pela direita e, se não for Rui Rio, será sempre alguém bem pior. Talvez daqui a dois anos.
À Esquerda, resta-lhe entrar em guerras intestinas, sem líderes que façam a autocrítica e sem força anímica e crédito para repetir tão cedo a estimulante convergência partidária que permitiu os Governos de António Costa.
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Por António Barreto
Em cinquenta anos, Portugal mudou. De modo radical. Nestes últimos trinta, também. De modo irreversível. Apesar disso, Portugal continua. É esse o segredo das nações. Tudo muda, mas o essencial fica. Ou antes, muito do que é essencial mantém-se. A língua, a história, a memória. Até quando, ninguém sabe. Mas de uma coisa podemos ter a certeza: é a de que, um dia, Portugal também acaba. Como nos ensinou, além de outros, Jared Diamond: os países podem sucumbir. Se é o que os povos querem, muito bem. Se não é o que querem, aí já podemos ter problemas.
Estes últimos dias trouxeram várias estatísticas. É uma colheita de fim de ano. A começar pelos primeiros dados, provisórios, do Último Censo. Se dez anos (intervalo entre censos) não chegam para grandes conclusões, uma perspectiva alargada dá indicações preciosas. Que sublinham a afirmação anterior: Portugal mudou muito.
Desde os anos sessenta do século anterior, o número de Portugueses aumentou dois milhões, mas agora, desde há vinte anos, já perdeu mais de duzentos mil. E só não perdeu mais, porque chegaram umas centenas de milhares de imigrantes, em maioria vindos de países não europeus, Brasil e África à cabeça. A população imigrante estrangeira residente em Portugal rondará hoje, incertamente por causa dos ilegais, os 5% a 6% do total. Eram menos de meio por cento há quarenta anos e 3% há vinte. Apesar disso, Portugal continua. Mudou de cor, está a mudar de língua, de gastronomia, de roupa, de deuses e de costumes, mas continua. Até onde, até quando, não se sabe.
O envelhecimento da população é a realidade mais importante de toda esta evolução. Os velhos já foram cerca de um quarto dos jovens, mas são hoje quase o dobro. Os que têm mais de 65 anos eram há pouco tempo 8% da população, são hoje 24%. Os pensionistas e reformados eram 120 000 há meio século, são hoje perto de 4 milhões. Em percentagem da população adulta, os pensionistas eram 2%, são hoje mais de 40%. Por cada idoso, havia 8 activos, hoje não chegam a 3. Os jovens com menos de 15 anos eram um terço do total, são hoje apenas 12%.
Os nascimentos já foram mais de duzentos mil por ano, são agora perto de oitenta mil. Aquela que era provavelmente a mais alta taxa de natalidade da Europa é hoje talvez a mais baixa, seguramente uma das mais baixas. Os nascimentos e os filhos ditos “fora do casamento” eram há três ou quatro décadas menos de 10%, são hoje quase 60%, isto é, a maior parte dos nascimentos pertence a essa categoria.
O número de casamentos reduz-se todos os anos de modo impressionante, sendo que os casamentos civis são grande maioria, pelo menos 70%. O casamento religioso, provavelmente católico, é uma raridade. Como é sabido, até 1974, por causa da política e da Concordata, quase não havia divórcios. Hoje, o seu número aproxima-se de 60% dos casamentos.
As pessoas a viverem sozinhas (na estatística chamam-lhe “famílias unipessoais” ou “agregados de uma só pessoa”) já foram cerca de 10% da população, constituem hoje um quarto (25%).
A posição das mulheres na sociedade conheceu mudanças profundas nestas décadas. Ainda faltará muito para se atingir uma relativa igualdade, dizem alguns, com razão. Mas o que já ocorreu, em tão pouco tempo, foi colossal. A não ser no sacerdócio católico, já não há profissões ou estatutos reservados aos homens, incluindo as forças armadas, as polícias, a magistratura e a tauromaquia. As mulheres são a maioria na Administração Pública, nas escolas, nos hospitais, na universidade, entre os licenciados e doutorados anualmente (e quase no corpo docente do ensino superior). Médicos e enfermeiros, advogados e juízes são, em maioria, mulheres. Diferenças existem, e grandes, a favor dos homens, nos níveis de salários, nos quadros superiores das empresas privadas, nas instâncias superiores da política e em áreas de reserva de poder, como sejam os oficias das Forças Armadas, o Supremo Tribunal de Justiça e os órgãos superiores do Estado.
Os sectores de actividade dos residentes também mudaram neste meio século. Em resumo, os 45% da agricultura são hoje menos de 5%. Os quase 40% da indústria são menos de um quarto (24%). Com uma particularidade que convém assinalar: ao contrário de quase todos os países europeus, Portugal nunca teve uma população maioritariamente industrial. Passou directamente do sector primário (agricultura) para o terciário (serviços).
O universo da educação é um dos que regista mais mudanças. Os 40% de analfabetos dos anos 1960 são agora talvez 5%. Os Portugueses chegaram à literacia com cem a duzentos anos de atraso relativamente aos países europeus, naquela que é talvez a mais persistente chaga da história nacional. Finalmente, com a excepção de alguns idosos, a totalidade da população frequenta a escola.
A demografia do sistema de ensino é curiosa. Na verdade, por causa das quebras de natalidade, o número de portugueses a frequentar o ensino básico é menor do que era há cinquenta anos. Mas nos graus de ensino seguintes, a explosão foi absolutamente fenomenal. Os alunos do secundário eram dez mil, são hoje quatrocentos mil! E os do superior, cerca de 25.000 em 1960, são hoje mais de 410.000. Hoje, cerca de 20% dos residentes têm um curso superior, quando, há meio século, eram menos de 1%.
O que está a acontecer na sociedade portuguesa é evidente e inelutável: uma mudança profunda. O grande problema consiste em saber o que se pretende, ou o que se espera, com essa mudança. Assim como onde se quer chegar, sabendo que nunca se chega a um termo. Mas a verdade é que forças enormes estão a deslocar o edifício nacional, já em curso de alteração. Para além das técnicas, essas forças são conhecidas. A globalização e a perda de referências nacionais. O desaparecimento do Estado nacional. A democratização igualitária. O “Inverno” demográfico. As migrações. A miscigenação étnica e cultural. O turismo e as viagens. A destruição da produção industrial e similar, substituída pelos serviços.
Os políticos, as autoridades, os dirigentes económicos e sociais interessam-se pelo presente, pelo futuro imediato e pelo previsível. Mas todos os dias se tomam decisões invisíveis que vão marcar o destino. O que é melhor para a liberdade, a democracia e o bem-estar? O que é melhor para a felicidade dos portugueses? O quadro nacional preservado ou a sociedade global europeia e universal? A referência histórica e a memória ou a mutação e o eterno recomeço? Pode uma população não escolher concretamente o seu futuro. É verdade. É pena, pois serão outros a escolher.
Público, 18.12.2021
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Sofremos a culpa do frio das mãos provocado pelas temperaturas baixas que tanto congeladas permaneciam nestes dias mais rigorosas. Não foi fácil, nem sequer o modo como permaneciam de difícil mobilidade, dificultando a circulação.
Coabitar com este frio e habituar-nos a ir de máscara para um estádio de futebol assistir a um mau espectáculo, mais vale assistir a um filme de terceira e acabarmos por ver um mau espectáculo enquanto o Verão não chega. Agora passarmos vergonhas à custa do mal estar, tenham paciência.
Imaginem o que é assistir a um jogo de futebol no Estádio Nacional e ver o nosso clube ter a pouca vergonha de ser capaz de ficar com a expropriação do resultado da equipa rival, infectada com vírus do 19C, a jogar desfalcada e a sujeitar-se a perder e sofrer uma humilhação sem apelo nem agravo, beneficiando dum resultado dilatado e vergonhoso.
Ou então acrescentem a pouca vergonha dum clube duma grande idade nossa perder e ser eliminado e ainda por cima assistirmos a adeptos desse clube da casa a bater em jogadores, adeptos, e jornalistas de fora só por estes terem ganho com toda a limpeza,
Mais vale ir ao cinema e não aturar gente desta.
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Por C. B. Esperança
Rui Rio, mal refeito ainda da vitória interna contra Paulo Rangel, já tinha os adversários a exigir-lhe os lugares das listas de deputados, a liderança dos círculos eleitorais, enfim, o poder.
Roma não pagava a traidores, e, no PSD, eram esses que exigiam o pagamento. Rui Rio fez o habitual, despediu os mais venenosos e juntou alguns aos que lhe foram leais, para não ter apenas indefetíveis, que reduzem a massa crítica do partido que aspira ao poder.
Enquanto os derrotados procuram digerir e explicar os resultados, incluindo o PR, quem perde é que explica, Rio faz jus à sua tradicional heterodoxia de fazer campanha. Não se lhe pode negar a coragem. É capaz de cometer erros primários e de ser intuitivo e sagaz, incluindo a decisão de abandonar o CDS ao naufrágio e deixar a comissão liquidatária à porta da Assembleia da República.
O CDS deixou de fazer falta à democracia depois de se tornar o refúgio de reacionários, esgotado de eleitores e a viver dos negócios de secretaria de Paulo Portas, mera muleta do PSD, independentemente de quem fosse o líder.
Rui Rio, convicto de que os quadros de algum valor irão abrigar-se no PSD, obrigou o CDS a imolar-se. Não será o único partido a perder o líder, mas o único capaz de perder todos os deputados.
O PSD está habituado a lutas internas, que cessam quando chega ao poder. Rui Rio sabe isso e pode ser o sacrificado. Quando o obscuro salazarista, Cavaco Silva, chegou a PM, após a improvável ascensão à liderança, derrotando João Salgueiro, apoiado por jovens intriguistas, Marcelo, Júdice, Santana Lopes, Durão Barroso e António Pinto Leite, no Congresso da Figueira da Foz, passaram a ser líderes os piores, a chegarem ao poder os mais próximos do salazarismo.
Rui Rio é exceção. A sua queda, com a ajuda de Marcelo, recolocará o PSD, no lugar a que Cavaco e Passos Coelho o conduziram, a tralha que tanto se aliava ao CDS como se coligará com o partido fascista. Mesmo com Rui Rio, o PSD não abdicará do poder por alergia aos fascistas. O partido racista, xenófobo, defensor da castração e pena de morte já se encontra no Governo Regional dos Açores.
O PR não ponderou os prejuízos para o País ao precipitar as eleições. Se a correlação de forças partidárias se mantiver, inviabilizada a repetição da maioria de esquerda do XXI Governo Constitucional no próximo (XXIII), há de perguntar-se para que serviram.
A simpatia e impunidade de que o PR goza nos media permitem que seja ele a colocar no PSD e no Governo um homem de mão. Não lhe faltam Moedas de reserva. Em vez de ser julgado pela opinião pública, será ele o juiz do novo Governo.
Só a improvável maioria absoluta do PS ou de direita anularia os intentos de Marcelo e a absurda e inconstitucional deriva da democracia parlamentar para presidencial.
Rui Rio ameaça estar na origem de um terramoto partidário. Numa época perigosa, não deixa de ser aliciante seguir o desespero e a estridência dos arautos da direita.
É justo reconhecer a Rui Rio a coragem e a diferença dos salazaristas que afrontou.
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Por António Barreto
O historiador inglês Alan Taylor (mais conhecido por A.J.P. Taylor) disse que, em 1900, nos bons tempos de paz e progresso, era possível a um cidadão britânico deslocar-se de Londres a Istambul sem controlos policiais. Para se fazer entender, tinha de falar diversas línguas. Atravessava vários Estados, Principados, Impérios e outras entidades afins. Mas tudo isso se fazia sem passaporte. Depois, foi o que se sabe. Fecho de fronteiras, nacionalismo, duas guerras europeias (e mundiais), redesenho de Estados, criação das democracias modernas, nascimento do fascismo, estabelecimento do comunismo, fim dos impérios… Mas também a aviação, os comboios, as auto-estradas, os transportes individuais e colectivos de grande velocidade. A história do século XX foi uma cavalgada fantástica.
Ao longo de cinquenta anos, a Comunidade Europeia, depois União, afastou obstáculos, dispensou passaportes, unificou leis, criou uma moeda única e elaborou políticas comuns. São trinta países com longos passados de guerra e conflito que hoje vivem em paz, com quase totais liberdades de circulação, comércio e estabelecimento. Os seus dirigentes sonham com o fim das fronteiras. E tentam uniformizar o fisco, as escolas, os hospitais, a segurança social, as leis laborais, as instituições democráticas e a magistratura. Mas, no momento da sua glória maior, a de total abertura, a Europa está ameaçada pelos velhos fantasmas da rivalidade nacional. E também pelo renascimento de anseios de identidade e autonomia.
A imigração de milhões de pessoas, vindas de África, da Ásia e da América Latina, transformou-se numa das mais sérias realidades do continente. Com incalculáveis consequências, muitas delas vantajosas. Com efeito, os imigrantes trouxeram benefícios. Rejuvenesceram as populações. Aumentaram a natalidade. Alargaram a produção e o consumo. Dilataram as receitas da Segurança social. Permitiram a mistura de culturas. Contribuíram para o turismo. Abriram horizontes, renovaram a gastronomia e o vestuário. Tudo isto ao mesmo tempo que executam tarefas que os nacionais não querem fazer, designadamente trabalhos na agricultura, na construção civil, nas obras públicas, na indústria pesada e na limpeza.
Mas a emigração não tem só vantagens. Tem ainda enormes inconvenientes, nomeadamente quando é descontrolada. Está na origem de uma população ilegal e indocumentada. Cria uma concorrência desleal e distorcida entre trabalhadores nacionais e imigrantes. Faz baixar os salários médios dos trabalhadores residentes e legais. Enfraquece o sindicalismo. Alimenta os “guetos” e os bairros de comunidades separadas. Agrava as condições de habitação, sendo frequentes as situações de sobreocupação, de alojamento degradado e de mercado clandestino. Dá origem a novas formas de marginalidade que convive com o crime. Exerce pressão sobre as instituições educativas e de saúde. Traz consigo formas de “legalidade” e de comportamentos sociais, habituais para os imigrantes, mas ilegais e inaceitáveis para as sociedades ocidentais.
Entre nacionais e estrangeiros, entre residentes e imigrantes, criam-se delicadas zonas de confronto que pode facilmente transformar-se em perigoso conflito. Como é evidente, proclamar a virtude e os bons comportamentos não serve para coisa alguma.
Ora, é o descontrolo da emigração (e a sua ilegalidade) que está na origem dos preconceitos e de reais conflitos. Todos os fenómenos de racismo e de xenofobia recebem um impulso da imigração descontrolada. Cresce a xenofobia dos nacionais e dos estrangeiros. Aumenta o racismo dos nacionais e o dos imigrantes. Torna-se fácil, sobretudo em tempos de crise, acusar os imigrantes, assim como as minorias, de ladrões, marginais, violadores e contrabandistas. Torna-se frequente, nesses mesmos tempos difíceis, acusar os residentes e os nacionais de exploradores, racistas, colonialistas e traficantes de menores e de mulheres.
Não falta quem pense que os imigrantes são necessários pois têm menores salários, aceitam qualquer trabalho, podem ser despedidos à vontade, não se importam com a precariedade, não se sindicalizam e calam-se. Também não falta quem pense que os imigrantes têm especial inclinação para o crime, a marginalidade, a droga, a prostituição e o roubo e, por essas razões, não deveriam ser admitidos. Mas há ainda os que pensam que, sendo os imigrantes e os refugiados seres humanos como os outros, ainda por cima em situação de vulnerabilidade, devem merecer toda a espécie de apoios e ajudas, assim como especiais incentivos à integração. E os que entendem que receber imigrantes e refugiados é um acto de nobreza e civilização.
Há, dos dois lados, razões e preconceitos. O que interessa não é julgar, mas sim evitar o conflito. A verdade é que a emigração excessiva, descontrolada e ilegal se transformou no factor mais perturbador das sociedades europeias e dos sistemas políticos democráticos. Entre países membros da União e dentro de alguns deles, são já evidentes os conflitos que têm a imigração como razão. As forças nacionalistas, de direita e de esquerda, crescem significativamente nos eleitorados europeus. As forças de extrema-direita, mais sensíveis à pressão nacionalista, aumentam os seus resultados eleitorais.
Para os problemas actuais, há seguramente muitas soluções e opiniões. Mas há também certezas. Uma: o controlo, tão eficiente quanto possível, da imigração. Duas: a obrigatoriedade (imposta aos empregadores e aos empregados) de legalização e de contrato para as relações de trabalho e de habitação. Três: a regulação dos volumes tolerados, legalizados e contratados de imigrantes, em conformidade com as necessidades da economia e da sociedade. É seguramente ingénuo acreditar que esse controlo possa ser total. Mas se o for em parte, já é uma vantagem.
A União Europeia foi longe de mais. Já hostiliza o princípio nacional, o que é mau para a democracia e a paz. Também largos sectores da população, com e sem razão, contrariam a pressão federal e o princípio europeu. Se as autoridades, os partidos e a sociedade civil não prestarem atenção e se limitarem a proclamar as suas verdades a favor ou contra a imigração, a favor ou contra as nações e os Estados nacionais, teremos certamente, a breve prazo, acontecimentos imprevisíveis, desastrados e perigosos. É quase uma ironia pensar que as fronteiras e os passaportes podem voltar a fazer parte do quotidiano europeu. Mas já estivemos mais longe.
Público, 11.12.2021
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Por Joaquim Letria
A redescoberta da ciência permitiu-nos ver com outros olhos a realidade que nos rodeia e traçar o caminho da renovação do pensamento.
A redescoberta da Antiguidade nunca nos fechou os olhos, como a prodigiosa criação das artes plásticas ficou para o provar, ao mesmo tempo que o sentido criador da palavra nos levou a estudar e a desenvolver, conhecendo novas línguas que forjaram uma literatura de imensa eficácia criadora, sem que por isso traíssemos a nossa devoção pelas línguas antigas, designadamente pelo latim e pelo grego.
O desenvolvimento do cisma religioso desencadeia novos tempos de guerras e de preocupações que nos arrastou para a modernidade que serviu de ante câmara ao mundo dos nossos últimos séculos.
É possível que o sonho dos humanistas contivesse erros fundamentais e fosse irrealizável, como a História o demonstrou. Mas tal não impede que se sinta um inenarrável prazer nas incursões que pelas passagens que por elas possamos fazer, e que nos façam acreditar em algo de harmonioso, inteligente, sensível e pleno, que possamos sentir neste período o qual não podemos permitir que nos ponha a olhar para a História com nostalgia pelo passado em vez de com confiança no futuro.
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A Universidade de Coimbra preza as tradições, e, à semelhança de novas universidades, é capaz de transformar em tradição um despautério do ano anterior. Sendo a escola onde os alunos se reveem, é natural que a queima das fitas se transforme, já no próximo ano, à semelhança do atual, na gloriosa tradição da transmissão Covid, como acontece com a divertida tradição do roubo e vandalização dos carros de compras dos supermercados.
Há, no entanto, uma tradição instituída pelos últimos reitores, Magníficos por profissão, que afronta o Estado laico, convidarem professores, alunos e funcionários para a missa. O reitor não é o almuadem romano cujas funções o transformem em sacristão, capaz de conduzir a caldeirinha e o hissope atrás do capelão.
O Magnífico Reitor pode, como crente, deliciar-se com a missa e a hóstia diariamente, mas nunca invocando as funções que exerce e que honrados docentes contestam. Aliás, o Professor Vital Moreira já sugeriu a criação da associação de professores católicos que, essa sim, teria legitimidade para convidar professores, alunos e funcionários para os atos pios que entendesse, da missa ao mês de Maria, das novenas ao terço diário.
O que o Magnífico Reitor não pode, nessa qualidade, cuja neutralidade religiosa é uma questão de decência, civismo e legalidade, é convidar quem quer que seja, para atos de culto de uma religião do foro íntimo de cada cidadão.
O Reitor entende que na [sua] Universidade, onde a tradição e os dinheiros públicos mantêm um capelão, deve ser ele e o capelão a convidarem os professores, alunos e funcionários, para a missa de homenagem à padroeira da Universidade – a Imaculada Conceição –, que terá lugar a 8 de dezembro, pelas 12H00, na capela de S. Miguel.
Que o capelão, no exercício das funções, convide os créus a assistir a uma cerimónia da sua religião, compreende-se. Permite, aliás, ver a magnífica capela, uma relíquia da arte sacra, e, no caso dos devotos, venerarem um dos numerosos avatares da mãe de Jesus que o Papa Pio IX, em 8 de dezembro de 1854, tornou dogmaticamente concebida sem Pecado Original, uma velha crença do século XVI, adotada pela UC em 1646.
É inaceitável que a mais alta entidade de uma Universidade se comporte como o diretor de uma escola confessional ou o mullah de uma madraça. Quem preside ao areópago da Ciência e das Humanidades não pode estimular as coisas pias, sobretudo num país laico onde a separação das Igrejas e do Estado é constitucionalmente obrigatória.
Foi esta mentalidade que levou uma beata professora, quando vice-reitora, a propor a recriação da Faculdade de Teologia, em Coimbra, o que não conseguiu porque o bom senso e a formação cívica do corpo docente a inviabilizaram.
Uma Faculdade de Teologia teria certamente licenciaturas em islamismo, cristianismo e judaísmo, bacharelatos em hinduísmo, xintoísmo e budismo, graduações em lançamento de búzios, mestrados em tarô e bruxaria, e doutoramentos em esoterismo.
O Reitor traiu a ética. A Universidade devia ser o último reduto na defesa da laicidade e não a vanguarda do convite à genuflexão pia, à prática litúrgica e à devoção.
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Por António Barreto
Nas praias mediterrânicas, nas costas algarvias, nas ilhas gregas e nas falésias turcas, o que está em causa, além de milhares de vidas, é o futuro da Europa. No litoral ibérico e italiano, afrontam-se destinos que vão ditar a sina da Europa. No mar do Norte, no canal da Mancha, nos arredores de Calais, o futuro da Europa está em causa. Nas fronteiras húngaras, polacas, checas e bielorrussas, joga-se a sorte da Europa. Mesmo que não pareça evidente, na Escócia, na Irlanda, na Dinamarca e na Lituânia, combate-se por uma ou outra Europa.
Já se percebeu que a pior, a mais difícil de todas as crises, na Europa, é a das migrações, dos refúgios e das fronteiras. Por razões humanas, em primeiro lugar. Milhões de pessoas dos países vizinhos, das antigas colónias e de países longínquos esperam poder passar as fronteiras, correm todos os riscos imagináveis, deixam-se manipular por contrabandistas, negreiros e traficantes, para poder mudar de vida e de país, ganhar um salário decente, ter direito a uma vida que lhes é negada nos seus países de origem. Atiram crianças à água e enchem botes miseráveis de velhos, adultos e menores, incluindo bebés, na tentativa de comover a opinião pública europeia. Venderam o que tinham, venderam-se e venderam as suas filhas, entregaram as casas e os móveis, quando os tinham, na esperança de comprar um documento ou pagar uma passagem, um autocarro manhoso, um lugar de avião, um refúgio num vapor de carga, um espaço exíguo num bote miserável ou um encosto dentro de um contentor. Tudo isto porque querem ter uma vida decente, porque lhes prometeram que era possível, porque houve quem lhes garantisse emprego e habitação, porque certos Estados africanos e do Próximo Oriente fomentam estes movimentos ilegais e porque têm ouvido dizer que, no final de contas, os países europeus cedem. É preciso muito, é preciso tudo, para correr estes riscos, para se preparar para a morte, para deixar pais e mães para trás, para se separar deliberadamente dos filhos, para entregar alma e corpo a traficantes e para acreditar na sorte e nos deuses!
Por razões políticas, sociais e culturais, em segundo lugar. As hordas de emigrantes e seus candidatos e de refugiados falsos ou verdadeiros colocaram em crise todo os países europeus, desencadearam as opiniões mais varáveis e mais contraditórias possíveis. Cada país europeu, cada região, cada comunidade religiosa, cada etnia reage, na Europa, de modo diferente, conforme a sua história e a origem dos emigrantes. Na Alemanha, um Cigano e um Turco não são recebidos da mesma maneira do que um Sudanês ou um Sírio. Em Portugal, um Nepalês e um Paquistanês não são acolhidos do mesmo modo que um Brasileiro e um Timorense. Nestas questões, não há simplesmente seres humanos, há gente com religião, ideologia, classes, comunidade, cultura, língua e etnia. É simples negar tudo isto. É fácil afirmar que não é assim, não deveria ser assim, pois somos iguais e solidários e devemos todos conviver com todos. É simples e fácil, mas não é verdade.
Por motivos de política internacional também. Cada país reage segundo as suas conveniências, a sua cultura e os seus eleitorados. Uma resposta europeia única é simplesmente impensável. Já se percebeu que, nas fronteiras húngaras e polacas, por exemplo, estão em causa séculos de história, interesses legítimos diversos, culturas diferentes e modos de vida por vezes incompatíveis. Estamos a viver um tempo que já destruiu uma grande parte do património comum de política europeia para países terceiros, a emigração e o asilo. Há cada vez mais a certeza de que grandes potências vizinhas da União, assim como estados ricos do mundo islâmico, estados africanos interessados no êxodo dos seus nacionais e estados longínquos empenhados em fortalecer as suas diásporas, alimentam os fluxos de candidatos ilegais à imigração na Europa e financiam as redes de traficantes.
A Europa e os seus Estados nunca terão, antes de décadas ou séculos, se é que alguma vez terão, políticas comuns e iguais sobre os estrangeiros, as imigrações e os refugiados. E só haverá uma política comum e igual no dia em que não haja Estados independentes, culturas próprias, religiões diversas ou histórias singulares. Nem liberdade.
Há muitas pessoas na Europa que querem receber emigrantes. Tantos quantos vierem. De África, do Próximo Oriente, da Ásia ou da América Latina. Mas também há muitas pessoas na Europa que só querem receber emigrantes de certas regiões do mundo, designadamente da Europa e da América, de certas nacionalidades e religiões. Como há ainda muitas pessoas na Europa que querem receber, de certos países, o menor número possível de estrangeiros, conforme as necessidades de trabalho ou de profissão.
Há pessoas na Europa que não se importam com a crescente diversidade das sociedades, com os restaurantes de todas as cozinhas, com as escolas de várias línguas, com templos de diversas religiões e com costumes familiares de todas as latitudes. Mas também há pessoas na Europa que não querem abdicar das suas cidades históricas, dos seus costumes, das suas culturas e da sua iconografia.
Há pessoas na Europa que querem que, venham donde vierem, os estrangeiros, os refugiados e os imigrantes, tragam consigo os seus costumes, as suas leis, as suas culturas e modos de vida e que assim se construam novas nações multiculturais que vivam da heterogeneidade. Mas também há pessoas na Europa que querem manter o continente, as sociedades, os países e as cidades com identidade histórica própria, com a sua origem e a sua imagem, tentando assim defender a sua identidade cultural nacional ou local, na convicção de que esta traz consigo independência, autonomia e liberdade.
Há pessoas na Europa que não se importam de viver com legiões de ilegais, turistas que o não são e refugiados de aparência. Há quem pense e acredite que a liberdade fica para além dos procedimentos legais e burocráticos. Como há pessoas na Europa que não admitem que as sociedades e as economias europeias convivam com a ilegalidade, o trabalho negro e o mercado paralelo.
Há quem queira uma Europa de portas abertas, acessível a todos os que querem viver aqui, de livre entrada e saída, de livre residência e fixação. Mas também há quem queira uma Europa que garanta a legalidade de trabalho e residência, assim como os procedimentos necessários a uma sociedade moderna democrática.
A Europa, a União Europeia é de todas estas pessoas. E se quer existir e sobreviver com liberdade para todos nós, tem de viver com elas.
Público, 4.12.2021
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Senti-me desolado com o chumbo do OE-2022 e, sobretudo, perplexo com o voto do PCP na generalidade, sem azo a negociações em sede de especialidade, depois de ter sido o principal impulsionador do XXI Governo Constitucional, e de se lhe dever a estabilidade dos dois anos da atual legislatura, sofrendo danos eleitorais.
Não sei o que se passa dentro de nenhum partido, apesar de ser observador interessado e interveniente. Fiquei revoltado por saber que o chumbo não produziria um OE mais à esquerda, e que faria oscilar o eleitorado em sentido contrário.
Não censuro os partidos por rejeitarem um OE de que discordavam, mas lamento que o chumbo afastasse o eleitorado para a direita, o que se verá no próximo dia 30 de janeiro, sobretudo após a vitória de Rui Rio, no PSD, com uma imagem mais moderada do que a do truculento Paulo Rangel e a dos seus apoiantes, disfarçados ou declarados.
Tendo sido as decisões partidárias o que foram, só por ingenuidade ou cinismo se pode pensar que a próxima legislatura repetirá a conciliação de vontades que conduziram aos Governos de António Costa. Relevante é segurar, entre as esquerdas, o clima de diálogo que permita aos partidos à esquerda do PS participar em decisões governativas, e ao PS não ficar refém dos partidos de direita ou da sua ala neoliberal.
Neste momento, todos os partidos, à esquerda e à direita, estão condenados a ir isolados a votos, em pandemia, por entre ruído das corporações, agitação social e mobilização de toda a parafernália mediática ao serviço da direita.
Acenar com a necessidade de viragem à esquerda do PS não é só uma impossibilidade, é um convite à alienação de parte substancial do eleitorado, sobretudo agora, que Rui Rio retirou o medo do regresso da tralha cavaquista e do controlo do PSD por Belém, desejo que Marcelo ainda tentará realizar por interposto Moedas até 2026.
Quem acredita que os partidos que derrubaram este Governo apoiariam o OE recusado, que está na origem das eleições e da fragilidade do futuro governo que o maior partido da oposição evitará até lhe ser útil provocar eleições?
Por maior perplexidade e revolta que me tenha causado o chumbo do OE pelo PCP, um partido confiável, é natural que a coerência e a coesão tenham ditado a decisão.
Difícil de compreender é a sanha de Catarina Martins (BE) contra o PS e a insistência paradoxal na convergência, depois de dois anos de entusiástica hostilidade. Continuar a afirmar que “Se a maioria absoluta é o plano A do PS, o plano B parece ser um bloco central, formal ou informal (...)” e que “para se manter no poder, António Costa estará disponível a sentar-se à mesa [com o PSD]”, é indicar o inevitável, procurar à direita a governabilidade que lhe nega. A tática enreda-a na incoerência.
O PS é ingrato se não agradecer a Catarina Martins a sugestão e a desculpa para buscar alternativas, a menos que o BE prefira um governo de direita. Quanto à indiferença pela sustentabilidade orçamental, com exigências desmedidas, o BE merece discordância.
As próximas eleições provocarão um sismo eleitoral, com o avanço do partido fascista e enfraquecimento das esquerdas. Os resultados obrigarão à autocrítica dos partidos que chumbaram o Orçamento, independentemente das razões.
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