Por Maria Filomena Mónica
VIVO NUM BAIRRO, a Lapa, onde existe gente rica e gente pobre. Gosto da mistura, assim como gosto das casas, da vista sobre o Tejo e dos sinos da Basílica da Estrela. Habito aqui desde a Revolução, pelo tenho assistido a mudanças, mas nunca como agora. Há dez anos, ainda comprava fruta na mercearia do sr. Manuel, na rua da Bela Vista, e há dois, ainda ia à drogaria do sr. Fernando, na rua da Lapa. É verdade que a fruta do primeiro não era boa e que os produtos visíveis nas prateleiras do segundo (ganchos, pentes e redes de cabelo) datavam da II Grande Guerra, mas apreciava falar com o primeiro sobre a educação do filho – que, como o meu, frequentava o Liceu Pedro Nunes – e de ver o segundo, impecável na sua bata branca, todos os dias.
Hoje, mais de metade das lojas estão fechadas ou mudaram de dono. A padaria, a ATM e a papelaria sumiram-se. A primeira continua fechada, o BANIF desapareceu e a papelaria foi substituída por uma loja de velharias. Por seu lado, a loja de antiguidades defronte da minha casa, onde gostava de comprar os presentes de Natal, deu origem ao mini-mercado do Abdul, um jovem do Sri Lanka que não tem bananas da Madeira.
Na ex-mercearia do Sr. Vítor, instalou-se, há tempos, uma loja de vestuário ostentando, na montra, um cartaz dizendo Low Cost Women. Na drogaria do sr Fernando, cujo interior foi barbaramente destruído, apareceu uma mercearia, tendo, à frente um chinês. Dois meses depois, ambas faliram, como faliram o cabeleireiro, a loja de revelação de fotografias e o florista. Até o marco do correio da esquina Calçada da Estrela/ R. Almeida Brandão se sumiu. A esperança de vida das lojas do meu bairro é de cerca de três meses.
Alguns estabelecimentos forneciam um serviço deficiente, mas outros não. De qualquer forma, faz-me pena ver os taipais corridos e, numa das lojas, a do vestuário barato da Rua da Lapa, uns manequins nus que parecem saídos de um quadro surrealista. Quando, nos jornais, leio títulos como «Pediram a insolvência 25 empresas por dia em 2012», sei do que se fala. Lisboa precisa de supermercados e de comércio de bairro: os primeiros não excluem os segundos.
Além de aqui viver, era neste bairro que trabalhava. Devido à nova lei das rendas, um colega e eu tivemos de deixar o andar que o meu instituto, o ICS da Universidade de Lisboa, há muito arrendava na R. Miguel Lupi, onde, entre baratas e silêncio, trabalhávamos. Ainda hesitei em ir, como ele, para a Cidade Universitária, mas a visão dos títulos de uns seminários, que ali tiveram lugar, fez-me desistir. Em parceria com o ISCTE, o meu instituto organizou - e a FCT pagou - um Seminário sobre Gender, Sexuality and the Body: Critical Perspectives. O primeiro orador foi C. E. Foster, autor de Men´s Milk: A Cultural History of Sémen. Apesar de tudo, o meu bairro tem mais coisas para me oferecer do que a Sociologia. É por ele que lutarei, não por uma Universidade que só me dá desgostos. Por ora, vou limitar a minha energia à limpeza da fachada do meu prédio. Estou farta de desilusões.
«Expresso» de 21 Set 13
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